Só existe um lugar menos seguro do que a rua para uma mulher: sua casa
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A jornalista Vanessa Ricarti tentou pedir ajuda contra as ameaças do ex-namorado, o músico Caio Nascimento. A Delegacia da Mulher em Campo Grande (MS) falhou em escutá-la a tempo e Vanessa morreu minutos depois de finalmente conseguir uma medida protetiva contra Caio Nascimento.
Os áudios que Vanessa mandou a amigas revelam a sequência de violências contra ela que o Estado foi incapaz de compreender como graves. Em objeção à conduta da delegacia que deveria ser especializada em crimes de gênero à qual Vanessa recorreu surgem agora relatos de mulheres que foram prestar queixa e escutaram de oficiais perguntas do tipo: qual a natureza dos socos que você levou do seu marido? Natureza dos socos. Porque - então - alguns socos podem ser justificados, é isso?
Vanessa morreu em casa. Voltou da delegacia e encontrou o ex esperando por ela. Ele foi até a cozinha, pegou uma faca e a assassinou. Vanessa morreu onde morrem a maioria das mulheres vítimas de feminicídio: dentro de casa. Só um lugar no mundo é pior do que estar na rua para uma mulher ou menina: a nossa casa.
Dados da Fundação Abrinq mostram que cerca de 70% dos abusos acontecem dentro da casa da vítima, por familiares ou pessoas do círculo de confiança da família. E, segundo a ONU, cerca de 50 mil mulheres foram assassinadas em todo o mundo no ano passado por um atual ou ex-parceiro ou por um familiar — o equivalente a 137 mortes por dia, ou seis por hora.
Crimes de violência sexual contra mulheres também têm a ocorrência mais frequente dentro do lar. É sombria a noção de que ao voltar para casa e fechar a porta uma mulher está no lugar mais perigoso do mundo para ela. De acordo com o Atlas da Violência de 2024 do Ministério da Saúde, oito em cada dez casos de agressão contra mulheres registrados em 2022 ocorreram dentro da residência da vítima. Foram 144 mil casos, dos quais 117 mil ocorreram dentro de casa - um número que corresponde a 81% do total. Outros 6% dos episódios de violência aconteceram em vias públicas. Quase sempre, o responsável pelo crime é alguém conhecido da vítima.
Medida protetiva de urgência, como a tentada por Vanessa, é um recurso usado pela justiça para proteger mulheres (cis e trans) em situação de violência doméstica. A medida está prevista na lei Maria da Penha e foi idealizada para acomodar a situação da vítima na hora do pedido de ajuda.
O site AzMina, que trata de feminismo e direitos humanos, explica: Por exemplo, se o seu ex não aceita o término e insiste em te procurar no seu trabalho, por meio da medida protetiva, a justiça pode proibir que ele se aproxime dos lugares que você frequenta.
Seria um recurso bastante útil, mas, infelizmente, o Brasil não leva a sério como deveria a palavra de uma mulher. Na delegacia a revitimização é certa: temos que recontar a história do abuso dezenas de vezes e escutar perguntas como: você bebeu? O que estava vestindo? Você tentou fugir? Qual a natureza dos socos?
Vanessa Ricarti tentou se proteger de todas as formas possíveis. E o Estado brasileiro, misógino em suas estruturas, falhou miseravelmente. Sinto muito, Vanessa. Que possa existir vida depois daqui e que você passar estar finalmente em paz.
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