O Oscar não é uma mulher trans

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Karla Sofia Gascon, que concorre ao Oscar de melhor atriz pelo filme "Emilia Perez", escreveu coisas absolutamente perturbadoras em suas redes sociais há alguns anos. Exposta recentemente, divulgou um pedido de desculpas ridículo, para dizer o mínimo. Nível "peço desculpas a quem possa ter ofendido". Não convenceu ninguém de que aquela Karla está no passado e uma nova mulher habita o presente.
Acho que há, portanto, razões bastante fortes para que ela não vença nada e para que a Academia tome o lugar de mediadora do horror por Karla publicizado.
Mas seria também importante apontar que se a Academia quisesse se impor não precisaria ter esperado Karla ser exposta. O filme que ela protagoniza, e que supostamente tem o benefício de eliminar preconceitos, acaba por reforçá-los. Nas palavras do filósofo espanhol Paul Preciado sobre o longa, o filme reproduz estereótipos perigosos: criminalização da transexualidade, exotização da transexualidade, representação médico-cirúrgica que sugere que pessoas trans precisam obrigatoriamente passar pelo procedimento para serem caracterizadas como trans e, por fim, a morte da mulher trans.
Isso dito, seria agora preciso entender a força com que a exposição de Karla cai sobre sua cabeça.
"O Oscar é um homem: o sexismo e a Academia". Esse é o título de um estudo publicado em 2020 por Kenneth Grout e Owen Eagan, do Emerson College nos Estados Unidos. "A chance de um filme ganhar a estatueta de melhor do ano é duas vezes maior se esse filme tiver o protagonismo de um homem premiado como melhor ator do que se for o caso de ter mulher premiada como melhor atriz", diz o texto.
O estudo apresenta um debate sobre os motivos. Os melhores papéis são feitos para homens, mais dinheiro é despejado em filmes que estrelam homens, há mais roteiristas homens e por isso eles tendem a contar suas próprias histórias etc. Não é por acaso, o estudo diz, que a estatueta é um homem.
Estamos, portanto, falando de uma indústria que, a despeito de algumas transformações, ainda é essencialmente masculina.
Bill Cosby, Alfred Hitchcock, Woody Allen, Harvey Weinstein, Roman Polanski, Johnny Depp; apenas para citar uns poucos. Machismo, misoginia, racismo, LGBTfobia. Tem um pouco de tudo envolvendo muitos dos homens que são - ou já foram - considerados ídolos e talentos incontestáveis no cinema estadunidense e mundial.
Levou 42 anos anos para que Hollywood formalmente colocasse Roman Polanski em seu lugar de pedófilo e estuprador. Esse mesmo homem, que depois de condenado pelo crime seguiu sendo celebrado pela Academia por décadas, se sentiu bastante à vontade para dizer que o Movimento MeToo, que expunha o nome de abusadores dentro da indústria, era uma histeria.
Tudo isso para dizer: se Karla Sofia Gascon fosse um homem branco e poderoso dentro do cinema, a divulgação de seus comentários bastante ruins e preconceituosos não abalaria suas chances - pelo contrário. Em 2014, Woody Allen levou o renomado Cecil B. De Mille, prêmio entregue durante as cerimônias do Oscar, semanas depois de uma de suas filhas revelar a história dos abusos sexuais que teriam sido cometidos por ele.
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