Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

No mano a mano com o hater

"Ataca o Neymar e fecha os comentários né, qual seu problema de um adulto expressar suas emoções seja por alguém o que for? Quem colocou isso na sua cabeça de louca que as pessoas não pode mais ser feliz por causa de outra, se você não gosta do cara, era melhor ter ficado calado (sic), se você não emociona com nada se nada mexe com você isso é um problema seu, porque você é muito amargurada! As pessoas adultas pode sim chorar se emocionar, isso não faz delas menos homem não, você é muito mal amada, uma mulher nojenta que só gosta de fazer intrigas! Pode sim chorar os adultos se emocionar por algo que gosta por alguém que gosta, por um ídolo, seja o que for, você não é ninguém pra querer criticar isso, uma veia que nem você devia era ter vergonha na cara! Mal amada!"

Essa foi a mensagem mais educada que recebi pelas redes sociais depois de escrever uma crítica à reação cheia de comoção e desequilíbrio emocional de uma multidão de homens à volta de Neymar.

Minha crítica dizia mais ou menos assim: o futebol mexe com a gente nesse nível do descontrole. Se deixamos o amor nos levar e nos comportamos como fãs adolescentes de Taylor Swift isso me parece bonito. Mas percebamos: mulheres que reagem assim são descontroladas e histéricas. Se reagem assim em relação a um ídolo são acusadas de querer dar para ele. Homens maduros que reagem nesses termos são pessoas sensíveis, apaixonadas, intensas.

O hater da mensagem acima não compreendeu o texto como eu gostaria e, imediatamente, abriu a caixa de ferramentas dele para vir me atacar. "Maluca, mal amada, intrigueira, velha". Um desfile do léxico machista que pretendia me colocar no meu lugar. Homens são criticados, claro. Mas as críticas feitas por homens a outros homens não tentam levá-los para a gaiola fechada do gênero de "você é homem e só poder se comportar de determinadas formas recolhe-se ao seu lugar vá lavar uma louça cala a boca sua mal comida".

Sendo a mensagem que abre essa coluna o mais educado dos comentários ofensivos recebidos nesse 1 de fevereiro por ocasião da crítica que fiz à reação descontrolada que a volta de Neymar provocou em marmanjos, iniciei um diálogo com meu hater porque, afinal, trabalho com questões de gênero e faço pesquisas como e onde posso.

Ele disse que eu só sabia falar mal do Neymar e isso o deixava revoltado. Homens defendem uns aos outros de formas poderosas. Eu então pedi que ele achasse no texto em questão a frase em que eu estava falando mal de Neymar. O texto era bastante elogioso ao craque, aliás. Meu hater disse que nesse texto específico não tinha mesmo, mas que comparar com Taylor Swift era ruim. Eu perguntei por que. Perguntei se a comparação era ofensiva porque eu estava comparando a reação deles à reação de mulheres. Ele disse que não era isso. Perguntei o que era então. Não ficou claro.

Seguimos trocando ideias. Pedi que ele fosse buscar os textos em que elogio características em Neymar. Eu disse exatamente quais eram eles. Ele foi acalmando. Expliquei a ele minha intenção com a crítica era apontar a reação descontrolada de marmanjos para dizer que eu gostaria de um mundo onde mulheres também pudessem reagir de forma emotiva sem serem chamadas de descontroladas, histéricas, demasiadamente emotivas, incapazes de exercerem certas funções, como a de cobrir a volta de um ídolo para sua casa porque iam se deixar levar pela emoção e isso o jornalismo não permite.

O que não falei mas deveria é: para quais mulheres vocês homens despejam publicamente esse oceano de idolatria e de emoções desmedidas de veneração? A resposta seria: para nenhuma. E isso fala sobre o conceito da Casa dos Homens, como coloca a pesquisadora Valeska Zanello.

Ele pareceu entender. Pediu desculpas pelas ofensas. Expliquei que a mensagem dele era a mais leve que recebi num lote de dezenas. Que as demais falavam em apagamento e estupro e que eu passei uma boa parte do dia fazendo prints dessas mensagens para não depender do dono das redes sociais para ir buscar justiça. Ele disse que esse tipo de ofensa não era legal. Respondi que esse era o dia a dia de uma mulher que trabalha com futebol e não faz eco a opiniões hegemônicas. Terminamos em bons termos e eu espero honestamente ter mostrado a ele que críticas e críticas da crítica são parte do jogo, mas ofensas machistas não.

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Vamos mudar um dia esse estado de coisas? Não sei. Não depende só da gente. Depende dos homens que estão no poder, depende dos aliados, depende dos que conseguem se manifestar publicamente quando um novo episódio de violência de gênero vem à tona. A gente segue, mas as marcas ficam. Para cada uma de nós que desiste - e eu não culpo quem desiste porque o cotidiano é dilacerante - existe uma centena de outras chegando. Não vai ter volta.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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