Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Busca pela arbitragem perfeita e pelo jogo sem erro vai destruir o futebol

Todos e todas nós que amamos esse jogo chamado futebol detestamos assistir a uma partida em que nosso time é, como dizemos livremente, roubado. Ainda muito pequena eu compreendi o sentimento de raiva que vem com as injustiças do campo. É detestável. Seria maravilhoso que nunca mais os juízes errassem. Mas o paradoxo é que, se isso acontecer, o futebol terá acabado.

O futebol comporta, como nenhum outro esporte, o erro. Lutar para minimizá-lo é uma luta justa. Lutar para acabar com ele é uma luta que, se vencida, terá liquidado o jogo como nós o conhecemos.

Juízes erram. Zagueiros erram. Atacantes erram. Treinadores erram. Torcedores erram. Erram todos aqueles encarnados em um corpo humano. Erramos querendo e erramos sem querer. É o que nos une: o erro.

Isso não quer, obviamente, dizer que devemos aceitar qualquer erro e seguir como se nada fosse. A cada erro será preciso que paremos para entender. Parar, pensar, não repetir. Aceitar a punição quando justa. É nossa tarefa diária.

O VAR, da forma como é usado, é uma aberração. Ele não traz a tão sonhada justiça - acho que podemos finalmente concordar com essa verdade - e apenas aumentou a raiva prometendo que traria. O VAR são mais pessoas analisando um lance. Para, gira, acelera, outro ângulo, outra câmera… veremos o que a gente quiser ver. Enquanto isso, o jogo - interrompido a espera da análise do sagrado VAR - sangra.

Futebol é filme com começo, meio e fim. É para ser sentido mais do que analisado.

A entrada das casas de aposta nesse rolê aumentou o tamanho da nossa paranoia. Levou esse cartão de propósito, será? Chutou para a arquibancada por querer? Que escanteio bobo… será que é armação?

Seria preciso que houvesse apuração rigorosa - e rápida - de todas as suspeitas. Só assim ficaríamos menos persecutórios.

Poder apostar em qualquer coisa - de número de cartões a escanteios cedidos - tira o caráter intuitivo do jogo. Não assistimos mais ao nosso time; estamos fragmentando todos os lances como se eles pudessem existir de forma separada, fora da partida. Se as casas de apostas não vão mais sair - como não vão - que pelo menos estabeleçamos o que pode e o que não pode ser apostado.

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O jogo precisa ter sua natureza protegida. Entregá-lo em fatias e sem restrições aos interesses corporativos é o que vai matá-lo. O futebol é tão grande como a vida porque - assim como ela - comporta o deslize e, em seguida, oferece a chance de entendimento e de recuperação para quem estiver atento. E mesmo quando não faz isso, ele tem espaço para transformar o erro em poesia: salve Maradona e sua mão de Deus. O erro de um juiz ou de um bandeirinha - por mais injusto que seja - não é o que fere de morte o esporte. Se ferisse, convenhamos, o futebol teria morrido ao nascer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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