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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os jacarandás arrancados do Alvorada e a destruição como ideologia

Jair Bolsonaro acompanha fala do governador reeleito do DF, Ibaneis Rocha (MDB), no Palácio da Alvorada - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Jair Bolsonaro acompanha fala do governador reeleito do DF, Ibaneis Rocha (MDB), no Palácio da Alvorada Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

07/01/2023 15h17

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As imagens do Palácio da Alvorada deteriorado revelam o alcance da destruição pela qual passamos nos últimos quatro anos.

São detalhes de podridão e negligência que escancaram os métodos de um governo que existiu para aniquilar.

Aniquilar modos de vida, existências, saberes, culturas, objetos de arte, memória, mesas, cadeiras, cortinas, vasos, plantas. Aniquilar o que não fosse espelho.

É de fato estarrecedor, ainda que, a essa altura, nada surpreendente.

De tudo o que estamos vendo destruído o que mais me chocou foram as árvores arrancadas por terem sido plantadas por Lula e dona Marisa.

É esse o limite do horror: arrancar o que nos faz respirar.

O gozo de Bolsonaro e de seu corpo de ministros - Sales, Damares, Guedes etc - vinha exatamente desse lugar de morte.

Seria hora de nos lembramos do que fez João Doria com o Palácio dos Bandeirantes.

A estética sombria e nazifascista usada na "reforma" dialoga abertamente com o que fez Bolsonaro no Alvorada.

A diferença é que Doria chama o arrasamento de reforma e em Bolsonaro não há sequer a preocupação com eufemismos. O que, sob alguns aspectos, é menos hipócrita.

É nesse ponto que podemos ver mais nitidamente como o neoliberalismo beija o nazismo na boca.

Um é mais limpinho que o outro, mas ambos têm a destruição como ideologia.

Destruição de direitos, do tecido social, de modos de vida, da nossa capacidade de respirar, de dançar e festejar.

Promovem o culto ao trabalho, à exploração e à transformação do espaço público dos direitos em espaço privado dos privilégios.

A diferença entre ambos é que um é a antessala do outro e o outro é a válvula da panela de pressão do um.

Por isso é preciso ter muito cuidado com a estética aparentemente correta do governador Eduardo Leite, um homem gay que se orgulha de ser gay mas que optou por não se posicionar no segundo turno das eleições presidenciais deixando aberta a possibilidade de votar no candidato que adoraria ver gays mortos.

Mas quais gays, não é mesmo?

Não um homem branco e rico com tanta passabilidade como Leite. Esses gays podem seguir existindo.

Os gays que são matáveis são as lésbicas, as travestis e as bichas das periferias.

Leite não tem nada a ver com essa galera estranha, tanto que nomeou como secretário de Direitos Humanos alguém que tem histórico de declarações homofóbicas e que retirou a palavra 'gênero' do plano de educação no município de Passo Fundo.

Homens gays brancos e ricos seguirão existindo a despeito das políticas de destruição implantadas pelo neoliberalismo.

A princípio é uma história de redenção essa de Leite: a declaração pública de afeto ao marido durante a posse foi elogiadíssima. Comovente, disseram muitos.

Só que um olhar mais atento revelará que Leite representa o vestíbulo da destruição, assim como Doria, Zema e Amoedo.

Todos eles atuam por políticas que encolhem o público e alargam o privado.

Meritocracia. Destruições um pouco mais cheirosas, bem cortadas e engomadas - mas destruições ao fim e ao cabo.

Temos que prestar atenção nisso para que não voltemos a passar por outros Bolsonaros. Lembrar, compreender, buscar responsáveis, contar a história desde o Impeachment, chamar as coisas pelo seus nomes, entender como o neoliberalismo nos trouxe até aqui. Punir.

É portanto necessário que sigamos gritando: Anistia Nunca Mais.