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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O apaixonante esporte de domar ondas gigantes leva um dos nossos

Colunista do UOL

05/01/2023 18h08

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Marcio Freire, surfistas de ondas gigantes, morreu afogado nesse 5 de janeiro em Portugal.

O baiano especialista em ondas colossais sofreu um acidente ao dropar um swell imenso na famosa praia de Nazaré.

Freire se torna a primeira vítima fatal surfando as temidas ondas da praia de Nazaré.

O esporte que produz imagens de arrepiar e acelerar corações, embora perigoso, não é famoso por causar fatalidades.

Uma das histórias a respeito do começo desse esporte conta que foi no Havaí, em 1957, que Greg Noll inaugurou o evento.

Invadida por uma tempestade, a ilha de Oahu se viu na iminência de uma calamidade pública, muita gente saindo da orla e buscando refúgio no interior da ilha, quando um grupo de surfistas tomou o caminho oposto e se jogou ao mar.

Greg Noll estava entre eles, e a praia em que entraram foi a de Waimea, ao norte da ilha.

Os rapazes foram capazes de surfar as ondas colossais que chegaram com a tempestade e ficaram famosos pela audácia.

Desde então, outros aventureiros se entregam ao mesmo sonho.

Praias como Waimea, Jaws e Sunset, no Havaí, Nazaré, em Portugal, Cortes Bank e Maverick, na Califórnia, e Teahupoo, no Taiti, são famosas por ondas que chegam a ter a altura de prédios de muitos andares.

Embora Noll tenha sido o primeiro, foi o havaiano Eddie Aikau que entrou para a história como o patrono do esporte.

Aikau morreu no mar em 1978, tentando nadar até alguma praia depois de um acidente de barco, e até hoje todos os anos surfistas do mundo inteiro rendem homenagem a ele em cerimônia realizada na praia de Waimea.

Na década de 80, as ondas consideradas grandes tinham em média sete ou oito metros. Era esse o tamanho do swell que surfistas eram capazes de conseguir vencer entrando apenas com a força da remada de seus braços.

Tudo mudou na década de 90 quando o estadunidense Laird Hamilton começou a entrar em ondas gigantes com a ajuda de um jet-ski.

Hamilton era rebocado até a onda com a colaboração da força do motor da embarcação e passou a vencer "paredes" que chegavam a medir 12, 13, 14, 15 metros.

Hamilton era avesso a competições e dizia que o ato de surfar ondas gigantes era sobre se misturar ao meio, sobre ser um com o oceano, sobre aprender a respeitar o mar.

Ele criticava campeonatos, criticava premiações e todo o circuito profissional que ganhava fama naquela época explicando que o encontro com o mar era um encontro espiritual e não uma competição.

Com Hamilton, o surf ganhou duas correntes: a dos profissionais que competiam e seguiam o circuito mundial, e a dos aventureiros espiritualistas que entendiam que o mar reservava a eles um encontro com o sagrado.

Em 1991, o filme Caçadores de Emoções, com Keanu Reeves, termina com uma cena que ficou famosa: sua personagem, que busca surfar a maior onda do mundo, finalmente se encontra com a besta. A cena, que é real, foi feita por um dublê que usava um tanque de oxigênio

Em 1994, o surfista Mark Foo morreu afogado em Maverick, na costa californiana, e o mundo do surfe foi chacoalhado.

Foo era um dos mais experientes surfistas de ondas gigantes e acabou sofrendo um acidente numa onda considerada pequena para os esportistas: cinco metros.

Em 1998, Ken Bradshaw fez história em Oahu dropando uma onda de 25 metros, a maior do mundo até ali.

Em 2018, o alemão Sebastian Steudtner surfou um monstro de estimados 30 metros em Nazaré.

É de Steudtner o recorde oficial, também em Nazaré: em outubro de 2020 ele domou uma onda de 26 metros.

Foi em 2009 que o conceito espiritual de Hamilton sobre a atividade de surfar paredes d'água levou a pior com a criação do primeiro campeonato de ondas gigantes, vencido pelo brasileiro Carlos Burle. Burle tinha 42 anos quando se sagrou campeão mundial.

É curioso que o esporte tenha como especialistas homens — e mulheres — mais velhos. O motivo, especulo, talvez seja a necessidade de ser experiente para entrar num mar que produza ondas de 15, 20, 25 metros.

A brasileira Maya Gabeira, 35 anos, é uma das maiores surfistas de ondas gigantes do mundo. Surfista desde os 14 anos, ela está no Guinness por ter dropado com perfeição e audácia uma onda de mais de 20 metros.

Todo surfista de onda grande tem histórias de enfrentamento de situações-limite para contar.

Maya tem duas, uma em Teahupoo, no Taiti, e outra em Nazaré, em Portugal.

Mesmo tendo passado por experiências que poderiam ter acabado com sua vida, ela sempre voltou ao oceano.

Quem já viu de muito perto um mar com ondas gigantescas sabe das sensações que sentiu.

É estar cara a cara com a força incontrolável da natureza. É estar diante da beleza que a congregação da vida com a morte proporciona.

Surfistas de ondas gigantes sabem que ao entrar no mar estão indo ao encontro do imponderável. Ainda assim, acidentes fatais são raros.

É uma pena que um dos nossos tenha sido uma das vítimas. Freire morreu numa quinta-feira de sol, boas ondas e fazendo o que ama.

Vai em paz, Marcio Freire. Seu nome fica guardado na história dos maiores e mais corajosos surfistas do mundo.