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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um imenso legado deixado por Bolsonaro e sua turma: o terrorismo chegou

O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, faz live horas antes de debate na Globo - Reprodução/YouTube
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, faz live horas antes de debate na Globo Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

26/12/2022 11h26

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No dia sete de julho de 2022 Jair Bolsonaro, em uma de suas lives, disse para a audiência a frase: "vocês sabem o que têm que fazer".

Na época, houve quem se alarmasse com as possíveis consequências de um chamamento como o da manifestação conhecida como "apito de cachorro" - dita para que só cachorros escutem e, na surdina, reajam a ela.

Houve até uma advogada e professora de direito processual - Liana Cirne - que entendeu perfeitamente do que se tratava e protocolou uma notícia-crime contra o presidente pela prática de incitação ao terrorismo.

Dois dias depois da live, Marcelo Arruda foi assassinado em sua festa de aniversário por um homem que gritava "Bolsonaro".

O assassino sabia o que tinha que fazer.

Jair Bolsonaro passou os quatro anos de sua administração convidando eleitores a se entregar a todo tipo de atrocidade e alguns desses convites poderiam ser entendidos como incitação ao terrorismo pela legislação anti-terror.

Muitos deram os ombros para o que dizia Bolsonaro. "Ele só fala, ele não faz. É um tiozão maluco, não deem bola para o que sai da boca dele".

Sob esse argumento, muita gente tentou diminuir o efeito das palavras de Bolsonaro.

Misoginia, homofobia, machismo, racismo, transfobia. Apologia ao estupro, metralhar a petralhada, mandar inimigo político para a ponta da praia. Amor à tortura e a torturadores. Elogio a Hitler. Negação ao Holocausto. Todo esse arsenal de horror saiu da boca do presidente.

Esqueçam, diziam as vozes da razão. Isso não pega nada, são só palavras.

Não eram só palavras. Nunca são só palavras. Palavras importam demais. Palavras podem ferir, devastar, matar.

Há quem acredite que as situações que estamos testemunhando depois da eleição de Lula são crimes de terrorismo. Existe, dizem os especialistas, um cálculo bastante óbvio para gerar medo e caos.

Agora o empresário paraense que queria explodir um caminhão-tanque em Brasília dias antes da posse confessa à polícia que o que o motivou a comprar armamentos e elaborar um plano foram as palavras de Bolsonaro.

Caso ele tivesse conseguido executar o ato, que fracassou apenas porque houve uma falha no detonador, milhares de pessoas teriam morrido e estaríamos nas manchetes de todos os veículos de imprensa do mundo.

As investigações revelarão mais coisas e mostrarão quem está por trás desse ato terrorista abortado, mas mesmo que esse alucinado estivesse agindo como lobo solitário (ainda que não existam lobos solitários porque todos são mobilizados por correntes extremistas) já teríamos que fazer a ligação direta entre a verborragia de Bolsonaro e o planejamento de crimes de terrorismo.

O depoimento do empresário preso comprova que a tese do apito de cachorro funciona.

O aspirante a terrorista em questão foi detido, mas quantos outros cachorros escutaram o apito de seu mito e planejam atendê-lo?

Em que medida Jair Bolsonaro será responsabilizado?

São perguntas que precisam ser encaradas. Não haverá anistia, não haverá perdão, não haverá relevação.

Tem muita coisa em jogo, os riscos são enormes e todo cuidado é pouco. Ainda tem um tanto de cachorro solto escutando o ecoar do apito do mito.

Dessa vez, graças a ação da Polícia Civil, a bomba foi desarmada. Mas o medo explodiu.

E a função do terrorismo é essa: promover o medo em larga escala. Está feito.

Eis aí mais um legado de Bolsonaro e sua turma: o terrorismo chegou.