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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sem imigrantes, a França seguiria sendo uma nanica no futebol

Seleção Francesa na UEFA Nations league - Soccrates Images/Getty Images
Seleção Francesa na UEFA Nations league Imagem: Soccrates Images/Getty Images

Colunista do UOL

04/12/2022 14h28

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Em 2018, logo depois do título mundial francês, o comediante sul-africano Trevor Noah disse na TV que a África tinha vencido a Copa do Mundo de futebol masculino. Isso porque, do time campeão, 17 dos 23 jogadores estariam aptos a jogar por outra nação, quase todas africanas.

Dias depois, o embaixador francês nos Estados Unidos, onde Noah mora e trabalha, mandou uma carta dura para a emissora que o emprega dizendo que o comunicador estava redondamente enganado, que todos os jogadores da seleção tinham sido educados na França, socializados na França e que eram expressão da diversidade francesa.

No ar, Trevor leu a carta e explicou que os jogadores eram, isso sim, expressão do colonialismo francês.

A carta do embaixador ofendido exigia que os jogadores negros fossem chamados por Noah de franceses e não de africanos.

Noah argumentou que quando o imigrante é um desempregado nas ruas de Paris ele é chamado de africano pelas instituições; quando é um vencedor de Copa do Mundo vestindo a camisa da França ele deve obrigatoriamente ser chamado apenas de francês.

O apresentador chamava a atenção criticamente para o fato de os descendentes de imigrantes só serem incluídos em caso de sucesso absoluto e, com a crítica, convidava o embaixador e quem pudesse concordar com ele a pensar por que o frentista filho de imigrantes não era orgulhosamente chamado de francês, ou o taxista, ou o desempregado, ou o garçom ou o balconista.

Todos são franceses a despeito de terem alcançado o sucesso financeiro, esportivo, artístico e é importante que o fato seja reforçado sempre. Noah fez exatamente isso - e enfureceu o embaixador. .

Cá estamos nós, em 2022, diante da mesma realidade: a França desponta como um dos melhores times da Copa outra vez.

Sem seus filhos de imigrantes, não estaria onde está e não teria o respeito que tem. Incluir a cidadania sem apagar as raízes. Por que não?

Os grandes deslocamentos das populações refugiadas é um dos maiores problemas do mundo atual.

Há centenas de campos de refugiados hoje pelo planeta.

São espaços onde cidadãos de países destruídos por práticas coloniais se encontram aprisionados, tratados como uma sub-categoria humana, adoecendo e padecendo num limbo diplomático que não permite que eles permaneçam em suas casas e nem tolera que entrem em outros países. São pessoas largadas para definhar e morrer.

Em 2018, Noah disse ao embaixador que os jogadores negros da seleção francesa podem e devem ser chamados de africanos e que isso não exclui de cada um deles a cidadania francesa. Que podem ser ambas as coisas.

Antes de acolher a imigração para fins futebolísticos, a França era uma nanica no esporte.

Depois da geração de Zidane, filho de argelinos cujo país foi explorado até a última gota por violentas práticas de colonização francesa, a França é hoje uma das gigantes do futebol. Antes de Zidane, nunca chegou perto de ser sequer mediana.

O jogo é um espelho da vida. A imigração não nos eleva apenas dentro das quatro linhas.

A imigração nos eleva enquanto espécie. Nas universidades, na comunicação, na arte, na cultura, na tecnologia.

Borrar a dureza das fronteiras, pensar em políticas públicas de inclusão, falar do que o colonialismo europeu fez com o mundo, exigir reparações, contar a história pelos olhos dos dizimados.

Seria importante que essa fosse a narrativa.

Que falássemos mais sobre o que a imigração fez pelo futebol da França, tirando ele da completa insignificância esportiva e colocando na dimensão de um dos maiores times do mundo.