Topo

Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A camisa amarela da seleção está morta e precisa ser enterrada

Mulheres no ato pró-Bolsonaro em Copacabana, no Rio de Janeiro - Zô Guimarães/UOL
Mulheres no ato pró-Bolsonaro em Copacabana, no Rio de Janeiro Imagem: Zô Guimarães/UOL

Colunista do UOL

09/09/2022 15h54

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O último sete de setembro vai ser estudado por muitos anos nesse país - e fora dele.

Era para ser um dia de reflexão sobre os duzentos anos de uma independência que ainda não deu as caras e que deve estar vindo de uma galáxia distante montada a cavalo.

Podemos esperar sentadas e sentados porque qualquer tipo de independência só pode chegar quando assumirmos os horrores de nossa história.

O sete de setembro de 2022 foi, mais uma vez, um baile macabro promovido com inteligência por aqueles que estão no poder e que souberam engajar nossos 30% de fascistas ativos e delirantes em festas patrióticas estreladas por cowboys que batem continência para a bandeira dos Estados Unidos.

Muitas coisas podem ser ditas a respeito do que vimos e ouvimos e que, lamentavelmente, não poderemos desver nem desouvir. Mas vou me concentrar em uma que considero central: a camisa amarela da seleção está morta.

Ela foi habilmente sequestrada pelo grupo de pessoas que diz que política e futebol não se misturam. Está sendo usada como símbolo máximo do fascismo brasileiro atual.

Acho que já ficou evidente que o termo "fascismo" não está sendo usado de forma irresponsável, muito pelo contrário. O uso é técnico e a camisa amarela da seleção é seu símbolo mais marcante.

Virou marcador das coisas mais tenebrosas e perversas. Virou farda, vestimenta de uma masculinidade violenta, opressora, assassina.

Não há por que insistirmos na camisa amarela.

Não há por que nos mobilizarmos para salvá-la.

Ela agora representa com bastante força um Brasil que precisa morrer para que uma verdadeira nação possa nascer.

Nossa camisa não era amarela e passou a ser depois da derrota em 1950. Até ali, usávamos uma camisa branca.

Nossa bandeira tem muitas cores, não precisamos focar no amarelo. Até porque não são muitas as pessoas que ficam bem de amarelo, sejamos francos.

Poderíamos, como argumenta meu amigo Aydano André Mota, adotar uma camisa verde como marco de uma refundação. Poderíamos. Seria bonito.

Mas eu iria mais longe.

Começo hoje uma campanha por uma camisa preta. Inteira preta. Todinha preta. De um preto jamais visto, jamais usado por nenhuma outra seleção ou equipe.

Como fazem os australianos, que homenageiam os aborígenes no uniforme da seleção, usando um verde e amarelo que não está na bandeira, eu acho que devemos prestar uma homenagem àqueles que produziram e ainda produzem as riquezas desse país.

Uma camisa preta que evoque os horrores dos quase 400 anos de escravidão para que, enfim, possamos começar a superá-los.

Uma camisa preta que abra espaço para que a verdadeira história desse país seja contada.

Não pelos olhos do colonizador, mas pelos olhos dos povos originários e dos escravizados (aliás, ouçam o podcast Projeto Querino)

Uma camisa preta para marcar o desejo de uma nova nação. De uma nova época. De uma nova seleção.