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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tite derrapa ao falar de sexo em podcast; Casão e eu dialogamos a respeito

Tite faz o sinal de positivo antes do sorteio dos grupos da Copa do Mundo de 2022 -  FRANCK FIFE / AFP
Tite faz o sinal de positivo antes do sorteio dos grupos da Copa do Mundo de 2022 Imagem: FRANCK FIFE / AFP

Colunista do UOL

24/08/2022 11h25

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Meu amigo Walter Casagrande, sempre atento ao noticiário, me chamou ontem pra saber o que eu tinha achado da entrevista do Tite para o Podcast "3 na área". Eu ainda não tinha visto e Casão me disse: "pera que te mando já". Mandou em segundos.

Eu assisti e na hora imaginei sobre o que Casão queria conversar comigo.

O trecho que me deixou desconfortável era certamente o mesmo que tinha deixado ele desconfortável.

Respondi o que achei e descobrimos que, mais uma vez, estávamos pensando de forma parecida.

Conversamos e decidimos escrever a respeito. Casão deu a ideia de postar nossas colunas como que dialogando uma com a outra.

Então aqui vai primeiro o meu texto:

No trecho da entrevista que me incomodou, Tite diz que vai promover folgas para seus atletas até para que eles possam dar aquela aliviada e, nesse momento, faz com a mão o gesto que sugere o que é sexo. Sexo é meter.

É, evidentemente, um papo entre homens. E é quando os homens estão entre os seus que até os mais elegantes e decentes sentem tendências vulgarizantes.

Por que fiquei incomodada?

Primeiro, pelo gesto baixo. Sexo não é meter. A ideia de que sexo é apenas meter é reducionista e genitalista. É justamente essa noção que faz com que muitas mulheres digam que não gostam de sexo.

E é justamente essa ideia que faz com que o sexo entre mulheres não seja levado a sério.

"Sexo precisa ter pênis envolvido, e penetração", dizem os mais machistas.

Não, não precisa. Pode ter, e pode não ter. Mas precisar, não precisa mesmo.

Só que a cultura machista, misógina e patriarcal é tão difundida que já houve um presidente estadunidense que escapou de um Impeachment por provar que não tinha feito sexo com sua estagiária.

Tudo mais eles fizeram, mas Clinton conseguiu provar que não houve penetração. Sem penetração, sem sexo.

Outro ponto bastante ruim desse trecho da entrevista de Tite: alguns jogadores são casados ou namoram, verdade. Mas e os solteiros? Vão de aplicativo? É permitido no Qatar?

Bom momento para lembrar que o Qatar é uma ditadura. É proibido que existam trabalhadoras sexuais.

E a gente sabe perfeitamente o que acontece quando o trabalho sexual é exercido na clandestinidade: como ele é operado, por que tipo de pessoas e a que custo.

Dessa forma, como os solteiros vão exatamente "se aliviar"?

Desconsidera-se também que algum jogador possa ser gay ou bissexual. Sabemos que não há ninguém declaradamente gay no grupo, mas o que sabemos de verdade sobre o desejo do outro?

O que sabemos comprovadamente é que no Qatar, se alguém praticar a homossexualidade a pena pode ser a de morte.

É bastante ruim que Tite fale dessa forma, que associe sexo a penetração aliviante.

Falar nesses termos é colocar a mulher sempre na posição de objeto.

É reduzir sexo ao órgão genital. É diminuir não apenas o ato, como o papel da mulher nele.

O texto do Casão:

Assisti a entrevista do Tite no podcast "3 na área" e, entre tantas coisas que ele falou, me chamou atenção um trecho onde ele diz que durante a Copa irá liberar os jogadores para folgas e irem à boate, se quiserem.

Eu sempre fui a favor da liberdade para os jogadores. Para mim, o divertimento faz parte de um processo de alívio psicológico durante uma competição muito importante e que exige muito da parte mental do jogador. E o Tite fala sobre isso. Começa bem ao dizer que é necessário o convívio com a família, que os jogadores devem ter folgas e aproveitar esses momentos da melhor forma, com responsabilidade.

Mas aí o Tite se expressou de um jeito muito machista ao dizer irá liberar os jogadores para se "aliviar", e fez um gesto feio, ofensivo, para demonstrar que os jogadores estão liberados para o sexo.

Beleza, adoro sexo e isso faz parte de qualquer tipo de relação. Mas colocar a mulher como "objeto de alívio" para os jogadores foi péssimo. E só pode ser mulher mesmo, porque se algum jogador gostar de ser relacionar com o outro gênero, é preciso dizer que a homossexualidade é crime no Qatar.

Fico pensando como as mulheres, namoradas e noivas dos jogadores da seleção brasileira encararam essa declaração do Tite. Não só pela forma de se expressar, mas também pelo gesto machista feito por ele. E os dois entrevistadores (Tiago Leifert e Edu Fui Clear) achando engraçado Tite tratar as mulheres como objeto de "alívio" para os jogadores da seleção. Um total desrespeito.

Eu recomendo que as mulheres assistam a esse trecho e avaliem se está tudo bem falar daquela forma ou se sentiram agredidas pelo modo como foram tratadas e definidas nesse contexto.

Tite, a mulher não existe para "aliviar" homem algum. Seu filho já se demonstrou, no mínimo, conivente com a homofobia. Agora, você vem e demonstra todo o seu lado machista.

Aqui está a visão de um homem que foi criado por mulheres e que se preocupa ao máximo com o respeito que elas merecem. Ao ver o Tite se expressando dessa maneira, penso na minha mãe e nas minhas irmãs. O papel delas não foi o de "aliviar" seus maridos através do sexo.

Tenha mais respeito com as mulheres, sr. Adenor!