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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tirar Exu do jogo é compactuar com as forças que nos sufocam

Nova camisa da seleção brasileira para a Copa do Mundo do Qatar - Divulgação/Nike
Nova camisa da seleção brasileira para a Copa do Mundo do Qatar Imagem: Divulgação/Nike

Colunista do UOL

15/08/2022 12h03

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Faz tempo que a seleção brasileira perdeu seu charme, e acredito que poucos discordarão dessa ideia. Muitos, mesmo assim, ainda torcem com fervor. Mas outros tantos, como eu, já não ligam.

A derrocada vem de anos, e tem sido uma construção baseada em distanciamento da população, futebol abaixo da média, futebol sem conexão com nossa cultura, escândalos que envolvem rotineiramente a CBF e camisa usada como símbolo de um golpe de estado.

Agora, a Nike, empresa que confecciona o uniforme oficial, deu um tiro no pé ao permitir que se customizem as camisas com a palavra Cristo, mas não com Exu, Ogum ou Maomé, como noticia aqui o jornal O Tempo.

A empresa alega que não aceita customizações com palavras que possam conter qualquer cunho religioso, político, racista ou mesmo palavrões. Nessa lógica, estão igualmente proibidas as palavras Lula e Bolsonaro.

Proibir as palavras Exu e Ogum e liberar Cristo e Jesus é intolerância religiosa, para não dizer racismo religioso.

A desesperada tentativa de despolitizar uma camisa que é política por princípio é uma aberração.

A camisa da seleção sempre teve, tem e terá cunho político.

Não é à toa nem por acaso que foi usada como símbolo dos pedidos de Impeachment de Dilma, não é à toa nem por acaso que sempre foi instrumentalizada por presidentes.

O futebol brasileiro é uma instituição cultural, uma base fundante de quem somos e de como vivemos. Tentar despolitizá-la é tirar parte de sua razão de existência, é esvaziá-la de significado.

Mas vejam como essa sonhada despolitização de todas as coisas é uma artimanha.

A peça em questão custa cerca de 400 reais, ou quase meio salário mínimo. Como despolitizar uma camisa que, com esse valor, já berra política por todos os poros num Brasil com 14 milhões de desempregados, com 30 milhões de pessoas passando fome?

A política que é feita por quem tem poder se pretende invisível, universal, inofensiva.

Proibir Exu nas costas da camisa da seleção é dar as mãos às mais nocivas forças desse Brasil institucional, branco, masculino, heterossexual e oligárquico que nos afunda há 500 anos.

Tirar Exu do jogo é compactuar com todas as forças que nos trouxeram até o bolsonarismo.

Tirar Exu e Ogum da camisa que representa uma nação que é metade negra é politizar por debaixo do pano enquanto nega-se a política a olhos nus.

Não bastasse ser feia, a camisa agora é uma ofensa.

Atualização: depois de receber inúmeras reclamações, a Nike disse que "a falha que permitiu a customização de algumas palavras de cunho religioso está sendo corrigida".

A empresa segue em sua batalha pela desesperada despolitização de uma peça de roupa que custa quase meio salário mínimo. Então tá.