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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A imensa ingenuidade desse ser humano que se identifica como torcedor

Criança  joga bola em escolinha de futebol do Corinthians, em São Paulo - Marcio Fernandes/Folha Imagem
Criança joga bola em escolinha de futebol do Corinthians, em São Paulo Imagem: Marcio Fernandes/Folha Imagem

Colunista do UOL

09/08/2022 16h14

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Tudo leva a crer que o Flamengo não apenas se classificará à semi da Libertadores como o fará vencendo duas vezes o Corinthians.

Tem o melhor time, está na melhor fase, joga em casa diante de 60 mil fãs endiabrados, já está ganhando essa decisão por dois a zero.

Acabo de ver uma estatística que diz que o Corinthians tem pouco mais de 3% de chance de levar a partida para os penaltis. Ou seja: acabou.

Mas a verdade é que eu sempre acho curioso falar em termos estatísticos no futebol porque tudo o que temos para fazer cálculos é o que sabemos hoje, esse corte seco na realidade que não contempla o imprevisível, o absurdo, o sobrenatural.

Faz sentido olhar o jogo pelas lentes dos números? Não pra mim, mas acredito que muitos discordam.

Eu prefiro deixar dados e realidade de lado e me entregar à ingenuidade que só os sonhos mais impossíveis contém.

Acordei imaginando os mais variados lances durante o jogo em que o Corinthians faria dois ou mais gols.

Refiz as jogadas em minha cabeça, custei a sair da cama entregue a esse devaneio.

Uma voz então me despertou. Ela me dizia para parar de sonhar e ir trabalhar.

Exigia que eu deixasse de ser uma criança ridícula e voltasse a ser uma mulher adulta.

Mas aí lembrei de Vladimir Safatle, de um trecho do maravilhoso O Circuito dos Afetos, (ah, como eu queria que Safatle fosse corintiano, mas o mais provável é que ele nem de futebol goste e fique abismado com o uso de sua filosofia para fins futebolísticos).

"O impossível é o lugar para onde não cansamos de andar, mais de uma vez, quando queremos mudar de situação. Tudo o que realmente amamos foi um dia impossível".

É muito pouco o que sabemos hoje para determinar o que é possível e o que é impossível.

Fazemos questão de nos amparar em dados, números, estatísticas para, assim, buscarmos algum conforto, mas " há momentos em que os corpos precisam se quebrar, se decompor, ser despossuídos para que novos circuitos de afetos apareçam" (Safatle).

Verdade.

Um jogo como esse de terça-feira 9 de agosto entre os clubes mais populares do Brasil tem a capacidade de nos decompor, despossuir e, assim, construir novos circuitos de afetos.

Hoje, pularemos no vazio.

Hoje, seremos desfigurados e desfiguradas porque, ingenuamente, acreditaremos no impossível.

Quem gosta de futebol sabe que será "só mais um gratuito e impossível salto no vazio em uma rua de subúrbio" (ainda Safatle, agora se referindo à obra de Yves Klein).

Meu eu maduro garante que o Flamengo sobrará na partida de logo mais.

Mas meu eu criança insiste em dizer: vai dar.