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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

É possível livrar o futebol da indecência da cera?

Éverton Ribeiro e Érick disputam a bola em Flamengo x Athletico, jogo da Copa do Brasil - Thiago Ribeiro/AGIF
Éverton Ribeiro e Érick disputam a bola em Flamengo x Athletico, jogo da Copa do Brasil Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Colunista do UOL

28/07/2022 12h16

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Lembro de estar vendo um jogo com meu pai no Maracanã nos anos 70. Eu tinha menos de dez anos e o goleiro do time adversário caiu no gramado depois de uma defesa e nunca mais levantou. Minha memória - que não é como a de Vitor Guedes - quer acreditar que o goleiro era o Manga. Se for verdade, o adversário era o Inter.

Mas tanto faz tudo isso para a finalidade dessa curta história. O fato é que o goleiro não levantou. Eu quis saber o que estava acontecendo e meu pai me disse uma frase que nunca mais esqueci: vai ficar caído uma semana e meia. Ali, eu aprendi sobre a cera no futebol. O resultado da partida deveria, portanto, ser até aquele momento favorável ao visitante.

A cera é das coisas que mais me enfurecem até hoje. Quando vejo meu time fazendo cera fico constrangida mas, verdade, não fico emputecida - o que diz coisas nem tão maravilhosas sobre meu caráter.

Mas quando é o rival eu quero sair pela casa quebrando coisas. A cera é a manobra mais indecente do futebol. É covarde, é apequenada, é uma vala moral.

Estar ganhando e desacelerar o jogo é uma coisa. Até aí, aceitável. Mas cair e simular contusão para deixar o tempo correr é desses desvios éticos que jamais deveriam nos empolgar - nem mesmo se for a nosso favor.

O time de Felipão abusou desse recurso baixo na partida contra o Flamengo pelas quartas da Copa do Brasil. Mas outros também fazem. Tem sido muito comum que goleiros caiam e não se levantem tão cedo quando seu time quer segurar o resultado. O goleiro caído é a certeza da interrupção do jogo.

A arbitragem, por sua vez, parece não ligar muito para esse tipo de manobra canalha. Não acrescenta o tempo devido, não pune, não faz nada além de dar aquela empurradinha nas costas do jogador que vai saindo como um cágado ao ser substituído no final de um jogo cujo resultado é bom para o seu time.

A liga estadunidense de futebol, a MLS, vai testar um antídoto para a cera: jogador que receber atendimento em campo terá que esperar três minutos para voltar ao gramado. É uma boa ideia e um teste interessante. Deve haver outras coisas que possamos fazer para tentar coibir essa indecência.

É uma pena que nossa sociedade ainda acredite que a esperteza é mérito. O futebol é apenas um reflexo do que somos fora de um campo e há equivalentes da cera para muitas de nossas atitudes cotidianas. Tomara que consigamos melhorar. Melhora o jogo, melhora a vida. Melhora a vida, melhora o jogo.