Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Casão: A democracia corintiana apenas me mostrou quem eu era; não vou mudar
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Um dia depois de anunciar sua saída da Globo, Walter Casagrande deu uma entrevista ao UOL. Fui convidada para fazer parte do time de entrevistadores acompanhada de dois craques: Mauricio Stycer ao meu lado e mediação de Kennedy Alencar.
Fazia tempo que não via Casão tão leve, feliz e apaixonado como nessa entrevista. Me pareceu evidente que quando disse que estava aliviado de deixar a Globo ele estava sendo sincero - como, aliás, ele sempre é.
O comum quando alguém se desliga de uma emissora com o poder e a qualidade da Globo é não deixar evidente nenhum tipo de alegria, raiva ou frustração. Mas Casão não é um cara de platitudes. Ele só sabe dizer a verdade, não tem outro modo de operação na sua configuração padrão, e foi assim por mais de uma hora.
A conversa vale ser assistida na íntegra porque Casão falou sobre diversos assuntos, de futebol à Bolsonaro passando por dependência química, Richarlyson e machismo.
Vou destacar apenas alguns aqui.
Sobre o papel social do futebol e o fato de a Globo ter tirado o jogo do jornalismo e levado para o entretenimento, Casão disse que foi a partir dessa mudança que passou a não ter mais eco lá dentro. Disse que suas opiniões, antes comentadas, agora não recebiam nenhum tipo de retorno dos colegas.
Essa mudança de vestimenta do jornalismo para o entretenimento, uma mudança técnica e interna, fez o futebol da Globo optar pela graça e pela piada em detrimento de posicionamentos políticos.
"Meu papel não é ser engraçado. É dar opinião", Casão disse sobre o tema. Em seguida, explicou que precisa se sentir independente para dar opinião. "Dou muito valor à independência das minhas ideias", disse.
O comentarista contou que, justamente por isso, não se envolve muito com as pessoas do meio. "Futebol é muito sério pra ser só piada".
Para ele, futebol mexe com política, com o social; pode ser bem humorado, mas não precisa ser sempre engraçado. "O futebol me deu um caminho de vida. Não consigo ficar fazendo gracinha com o futebol", disse.
Sobre falar de política, ele contou que antes de ser jogador ou comentarista, é cidadão. Que não consegue ver o país do jeito que está e calar. Nunca vai conseguir.
"Com 18 anos eu aprendi que jogador de futebol precisa colocar sua voz em pratica em nome do social". Ele explicou que jogador bem-sucedido precisa entender que as pessoas não ganham como ele e talvez parar de ostentar em rede social. Disse que as pessoas estão famintas, morrendo com bala perdida, um país arruinado e desesperado. "Isso me incomoda, não vou parar de falar. Eu sou assim. Isso aí não vai sair de mim".
Casão contou que a democracia corintiana apenas mostrou quem ele era na essência, deixou evidente que seu papel na vida era falar o que pensa em nome do social.
Ele falou também de Neymar, de como ter chamado o jogador de mimado foi explosivo, da quantidade de críticas que recebeu na época.
"Eu descobri que muita gente não sabia o que mimado queria dizer. Eu sou mimado, mas aprendi a ser mimado de uma forma mais objetiva. Sou mimado, mas me posiciono, participo. Quando falei que ele era mimado, explodiu o mundo. Se eu tivesse xingado a mãe dele teriam aceitado melhor. Mas aí fomos para a copa e ele foi patético. Não tem como aliviar. Eu sempre elogiei o Neymar quando achei que devia. O Brasil vai ser hexa e o Neymar vai arrebentar [no Qatar]? Pode ser. Mas qual a base dessa opinião? Não tem. É ufanismo. Na última Champions ele não fez gol, há dois anos é só contusão, ele não tem sido decisivo, o Brasil só joga com seleções daqui. Então qual a base dessa ideia?"
De 2019 pra cá, Casão saiu dos comentários da seleção. "Não posso dizer que seja por causa desse episódio [do Neymar]", disse antes de seguir. "Acho que é perfil. Não querem alguém que critique, pelo menos não tão diretamente. Talvez queiram alguém que critique de um modo mais brando. E eu não sei ser brando".
Sobre Bolsonaro, disse que é um dos piores brasileiros vivos e que a turma machista cresce porque tem o aval dele e por desespero porque estão vendo que a estrutura está ruindo. "Quando ficam desesperados eles mostram quem são".
Teve muito mais. Casão é um homem midiático que consegue ser apaixonado e coerente; lúcido e eloquente. Um cara que ama o futebol e sabe que o jogo precisa estar inserido em contexto social, especialmente dentro de um país em ruínas. Perder Casão é perder muita coisa.
A saída dele da Globo em ano de Copa é preocupante para todo mundo que vê o futebol dessa forma e para todo mundo que entendeu que estamos vivendo sob um governo de práticas totalitárias, autoritárias e fascistas.
Não era o momento de deixar ir uma voz com a potência da dele falando para o público do futebol.
Recentemente, Casão foi ao programa da Fátima (agora de Manoel Soares e Patricia Poeta) e falou o que pensa do governo Bolsonaro.
Em seguida, ficamos sabendo que o governo Bolsonaro voltaria a investir pesado na Globo depois de três anos sem comparecer.
E, pela ordem dos acontecimentos, Casão, a voz mais política no Esporte, teve seu contrato encerrado.
Podemos apontar causalidade nesses acontecimentos? Não, não podemos. Podemos apenas constatar a ordem em que ocorreram.
E, também, imaginar que aqueles que trabalham no esporte da Globo receberam um recado claro, tendo sido ele dado de forma voluntária ou não: aqui não é lugar para esse tipo de opinião.
É de se lamentar. Esse seria o momento de estarmos em caminho contrário, momento para deixar Casão falar cada vez mais. É a reta final da luta para nos livrar do fascismo. Calar agora é tomar partido.
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