Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É imensa e comovente a coragem do zagueiro corintiano Raul Gustavo
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Emocionante e sensível a matéria que o UOL Esporte fez com o zagueiro corintiano Raul Gustavo assinada por dois craques: Talyta Vespa e Yago Rudá.
Sob muitos aspectos, Raul é um retrato do Brasil. Mas um retrato borrado e sem contornos porque, como um jovem negro e periférico, ele desafia as estatísticas ao sobreviver. E, como jovem que sonha em ser jogador de futebol, desafia outra vez as estatísticas ao conseguir se profissionalizar e jogar em time grande.
No Brasil, trabalhadores negros são as maiores vítimas de homicídios, respondendo por quase 80% das vidas interrompidas. A cada 20 minutos, mais ou menos, morre uma pessoa negra no Brasil.
"O que se assiste é um aumento assustador das mortes violentas no país", escreve o portal Juventudes Contra a Violência. "Das 61.283 mortes violentas ocorridas em 2016 no Brasil, a maioria das vítimas são homens (92%), negros (74,5%) e jovens (53% entre 15 e 29 anos). As mortes violentas no país subiram 10,2% entre 2005 e 2015. Mas, entre pessoas de 15 a 29 anos, a alta foi de 17,2%."
É isso o que leva o rapper Mano Brown a dizer que ele é um sobrevivente contrariando estatísticas. O Álbum Sobrevivendo no Inferno, lançando em 1997 pelos Racionais, é uma aula sobre esse Brasil violento e racista. O livro de mesmo nome, lançado pela Cia das Letras em 2019, tabela brilhantemente com o álbum.
Nesse mesmo Brasil, mais da metade dos jogadores profissionais ganha um salário mínimo, e 88% ganham até cinco mil reais. Ou seja, apenas uma minoria absoluta entra para o seleto grupo daqueles que podem dizer que são ricos.
Raul, portanto, é a exceção. Para cada Raul, existem centenas de milhares de jovens negros cujas vidas são interrompidas violentamente no Brasil.
A história de Raul é também feita de perdas, como conta a excelente matéria cuja leitura recomendo fortemente. É bastante difícil ler o texto e não se emocionar. Raul perdeu filho e irmã e, mesmo diante da possibilidade de ser um jogador de sucesso, lidou com um tipo de solidão sobre a qual poucos jogadores ou jogadoras têm a ousadia de falar.
É preciso ser extremamente valente para encarar nossas fragilidades e dores de frente e publicamente. Especialmente um homem. E especialmente um homem negro nessa sociedade que espera desses corpos apenas trabalho, serventia e força, mas não sensibilidade, criatividade, inteligência e muito menos sucesso e sobrevivência. Ainda muito jovem, Raul já se mostra um gigante.
Viver é perder e aprender a lidar com as perdas. Mas algumas delas não fazem sentido e ficam na gente na forma de cicatrizes profundas que voltam a sangrar sem avisar. Raul Gustavo tem bola para conquistar o mundo, e eu torço para que ele voe a cada dia mais alto. De preferência, por muitos anos com essa camisa que eu amo.
Que ele encontre a paz e a felicidade que todos merecemos.
A ele dedico esse belíssimo poema de Elizabeth Bishop: "A arte de Perder".
Viva, Raul Gustavo.
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