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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que os casos de machismo e de racismo vão aumentar no futebol

Meia do Náutico, Jean Carlos parte para cima de árbitra na final do Campeonato Pernambucano - Reprodução/Twitter
Meia do Náutico, Jean Carlos parte para cima de árbitra na final do Campeonato Pernambucano Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

30/04/2022 18h40

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O meia Jean Carlos, do Náutico, reagiu histericamente quando a árbitra Deborah Cecília, durante a final do campeonato pernambucano, o expulsou. Fora de controle, Jean Carlos teve um chilique ao ver o cartão vermelho ser erguido em sua direção e, de pronto, decidiu partir para cima da juíza. Se não tivesse sido contido, teria certamente agredido Deborah fisicamente em mais um caso explícito de machismo e misoginia no futebol.

O leitor e a leitora podem estar pensando que estamos vendo um aumento do machismo, da misoginia e do racismo nos campos, e eles não estariam errados. Machistas, misóginos e racistas sempre estiveram presentes no futebol, mas, de alguma forma, davam um jeito de conter boa parte de seus impulsos criminosos. Agora, não mais.

O treinador gaúcho Roger Machado tocou na ferida ao dizer que a eleição de Jair Bolsonaro, político flagrado em vídeo sugerindo que algumas mulheres merecem ser estupradas ("só não te estupro porque você não merece" foi a frase dita pelo então deputado a Maria do Rosário) e comparando negro a gado, entre muitas outras barbaridades, legitimou esse comportamento. Palavras importam. Palavras que saem da boca de alguém que veste a faixa de Presidente da República importam muito. Elas autorizam uma série de ações, de atitudes, de comportamentos.

Dois mil e vinte e dois vai ser um ano violento. Registros mostram que a população está se armando para lutar contra um inimigo que ela nem bem sabe quem é, mas que está disposta a matar. Casos de violência contra mulheres e LGBTQs vão aumentar. O racismo vai se aprofundar. Quero acreditar que é o último grito dos frouxos e covardes que não suportam a ideia de que terão que render seus podres poderes para ver nascer um mundo mais negro, mais feminino e sexualmente mais livre. A luta vai ser feia, haverá baixas, mas eles não vencerão. Perderão como os covardes que são: berrando histericamente.

O descontrolado Jean Carlos não pensou para ir pra cima de Deborah Cecília. Pareceu a ele absolutamente legítimo reagir violentamente diante da expulsão. Tivesse pela frente um desses juízes fortões, talvez dissesse alguns palavrões antes de se retirar, e ficaria nisso. Só que era uma mulher erguendo o vermelho. Alvo fácil. Dar uns sopapos não pega nada. E, claro, a gente só se sente dono daquilo que pode destruir. É essa a linha rasa da misoginia.

A raiva do meia do Náutico não é de Deborah isoladamente. É uma raiva dirigida a corpos femininos. Corpos que ele julga poder agredir quando bem entender, mesmo publicamente. Faz pensar como Jean Carlos trata as mulheres de sua vida.

Que ele possa ser orientado a se retratar de forma honesta, que seja devidamente punido em todas as dimensões do sistema de justiça, e que o clube pelo qual ele joga seja co-responsabilizado de alguma forma. Sem essa co-responsabilização a mudança demorará um pouco mais. Clubes precisam ser chamados e entrar na luta de forma ativa, e a co-responsabilização é o caminho mais curto.

No mais, é lembrar que os covardes são movidos por medo e ódio. Aqueles e aquelas que vão mudar o mundo se movimentam alheios a esses dois afetos tristes e operam na chave da confiança e do amor. Esse jogo vai ser longo, mas, se quisermos seguir existindo como espécie, só um lado pode sair vencedor.