Topo

Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Milly: Por que acho que Robinho não deveria ser preso pelo crime de estupro

Robinho, atacante brasileiro com passagem por Santos, Real Madrid e Milan - Ettore Chiereguini/AGIF
Robinho, atacante brasileiro com passagem por Santos, Real Madrid e Milan Imagem: Ettore Chiereguini/AGIF

Colunista do UOL

26/02/2022 10h55

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Robinho foi condenado em todas as instâncias da justiça italiana por envolvimento em crime de estupro. A violência sexual é das coisas mais tenebrosas que um homem pode cometer. A violência contra o corpo da mulher reúne os números de uma guerra no Brasil e no mundo. Não há como contestar dados, não há como relativizar o horror dos crimes cometidos contra mulheres - uma história macabra que começa sempre e inevitavelmente na linguagem e termina muitas vezes na morte.

Uma parte de mim quer ver todo estuprador atrás das grades. Mas essa parte duela com uma outra que me diz que não há reforma possível dentro do sistema penal atual. Reforma passa pelo processo de reeducação e o sistema penal da sociedade moderna está baseado no punitivismo puro e simples.

Sei que o caso de Robinho envolve um caminho penal que foi conduzido na Itália, mas seria importante a gente falar do Brasil, país onde o ex-jogador foi socializado.

Dizem que somos o país da impunidade, mas isso não é verdadeiro. Temos a terceira maior população carcerária do mundo, um total de quase 800 mil presos. Setenta por cento desse contingente tem a pele negra; 35% deles ainda não foi julgada. Nosso sistema penal, uma vez escutei de um jurista, é mais ou menos como o Junior Baiano: chega tarde demais e, quando chega, chega forte demais.

Robinho está hoje num limbo penal. Condenado na Itália, aguarda no Brasil, livremente, o desfecho do processo. Existe a chance de ter que cumprir a pena no país onde o crime foi cometido; uma chance remota que envolve um trâmite que pode levar anos. Enquanto isso, segue, sem nenhum tipo de punição, aqui no Brasil. Deveria haver um dispositivo através do qual ele pudesse passar por punições imediatas e aqui mesmo. A solução atual - totalmente condenado na Itália, absolutamente livre no Brasil - é, certamente, a pior delas.

Mas que tipo de punição poderia reformá-lo?

Antes de mais nada, seria preciso concordar que as pessoas mudam e podem ser reeducadas. Tendo isso estabelecido, Robinho poderia ser obrigado a trabalhar com assistentes sociais que atuem junto a mulheres agredidas e abusadas. Teria que conhecer de perto casos de abuso, estupro, agressões físicas, feminicídios. Teria que se envolver emocionalmente com as histórias de horror pelas quais muitas de nós passamos. Teria que se enxergar no lugar do opressor, do carrasco, do inimigo de forma prática e não teórica. Uma pena de alguns anos que o obrigasse a se misturar ao trabalho de cura social talvez fosse mais justa não exatamente para o ex-jogador, mas para a sociedade como um todo.

O conceito filosófico sul-africano de Ubuntu é altamente complexo e eu não poderia começar a esmiuçá-lo porque dele não sei muita coisa. Mas entendo sua beleza e sua potência. E entendo que ele nos diz que somos todos também responsáveis pelos crimes cometidos pelos nossos. Existe uma estrutura que nos molda e que nos inunda de preconceitos e de violências. O entendimento desse conceito não deveria fazer com que ignoremos os crimes cometidos, mas deveria nos orientar a buscar uma solução que fosse boa para a sociedade, e não apenas a vingança e a revanche.

Um Robinho reformado faria mais pela comunidade do que um Robinho confinado.