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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O futebol não pode se dar ao luxo de silenciar sobre o que estamos vivendo

Ex-jogador e comentarista Walter Casagrande Júnior, na Rede Globo, em São Paulo, em foto de 2018 - Bruno Santos/Folhapress
Ex-jogador e comentarista Walter Casagrande Júnior, na Rede Globo, em São Paulo, em foto de 2018 Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Colunista do UOL

21/03/2021 13h51

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Diante do caos social que se aproxima - com desemprego chegando a 15%, aumento escalonado da fome e das mortes diárias por causa de um vírus para o qual já existe vacina - é hora de clubes e da CBF se posicionarem.

E não estou mais falando de tomar uma posição sobre parar ou não os campeonatos. Estou falando de tomar posição ideológica mesmo. Ideologia, essa palavra tão maltradada atualmente, é fundamental. "Eu quero uma pra viver", cantou Cazuza. Agora, preciamos de uma não apenas para viver, mas para seguir existindo e para respirar.

Não é mais razoável que o futebol continue ignorando a catástrofe sanitária e social em que nos encontramos.

Se a gente acredita que esse jogo é de fato uma das coisas mais importantes da vida então a instituição deve dar um passo a frente e de alguma forma fazer campanhas que conscientizem o torcedor e a torcedora sobre a pandemia.

É preciso que mais pessoas influentes além do comentarista e ex-jogador Casagrande tomem partido.

Não se trata apenas de dar os dados de infectados, mortos e vacinados antes dos jogos. Nem mesmo de pedir com voz doce um delirante "fique em casa".

Ficar em que casa?, perguntam tantos. Ficar em casa sem auxilio emergencial decente? Como? Ficar numa casa de um cômodo morando com mais seis pessoas? O mantra do "fique em casa" não pode mais ser repetido sem que a devida crítica social seja feita na sequência.

Precisamos de mais do que essas coisas. Muro é lugar para covardes e, na atual circunstância, o muro favorece o fascismo e o genocídio promovido pelas políticas econômicas do governo federal comandadas por Paulo Guedes.

O genocídio que estamos enfrentando tem duas frentes: essa comandada por Guedes, e o braço sanitário (e em breve funerário), capitaneado por Jair Bolsonaro, o presidente que se recusa a elaborar um plano federal para a compra e distribuição das vacinas, o presidente que recusou comprar vacinas da Pfizer, ofertadas há meses pela farmacêutica, o cara que encoraja aglomerações, que diz que mascaras não precisam ser usadas, que ficar sofrendo pela pandemia é mimimi.

Não deveria mais ser eticamente permitido que um time como o Flamengo receba em sua casa, debaixo de afagos e mimos, o presidente que promove o genocídio, como fez o clube antes de se tornar octacampeão. Não é mais aceitável esse tipo de atitude, ou não deveria ser.

O que estamos enfrentando é a barbárie, e ela está apenas começando a piorar.

Que nosso futebol consiga resgatar alguma coisa de sua grandeza e se posicionar publicamente, seja de forma coletiva, via CBF, seja via clubes.

Chega de covardia. Chega de covardes. Chega de passar pano para genocidas. Chega de palavras que tangenciam a questão. Vamos direto ao assunto: é genocídio e genocida que chama. Chamemos as coisas pelo nome que elas têm.

Não fizemos isso durante a eleição de 2018, quando era evidente que Jair Bolsonaro se tratava de um psicopata, e deu onde deu: naturalizamos a candidatura de um assassino em potencial, que jamais negou celebrar a pulsão de morte que o habitava, entregamos poder a ele em nome de um antipetismo paranoico e delirante - e quando um psicopata tem poder ele não hesita diante da oportunidade de cometer genocídios.

Que o futebol brasileiro não perca a chance de se colocar publicamente do lado certo da história. Imediatamente.