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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O futebol e a superstição

Renato Gaúcho comemora gol de barriga que deu o título do Carioca de 1995 para o Fluminense - Ormuzd Alves/Folha Imagem
Renato Gaúcho comemora gol de barriga que deu o título do Carioca de 1995 para o Fluminense Imagem: Ormuzd Alves/Folha Imagem

Colunista do UOL

16/02/2021 18h42

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Não existe futebol sem superstição. Eu, por exemplo, quando preciso que meu time faça um gol nos últimos minutos, desligo a TV e ligo o rádio. Mas não qualquer rádio. Precisa ser o do carro. Posso jurar que dá muito certo. E, quando não deu, foi porque ou eu não fiz, ou demorei para fazer.

Meu sobrinho, quando era pequeno e queria que o São Paulo marcasse, alinhava os controles remotos ao lado do aparelho de TV e proibia que o irmão menor entrasse na sala. Num domingo, eu estava vendo o jogo ao lado dele quando o irmão caçula entrou e, de fato, o São Paulo sofreu um gol. Minha irmã, que estava na cozinha, ficou muito brava com a gritaria que se seguiu, mas eu era testemunha que o filho mais velho tinha alguma razão.

O pai de um amigo vai regularmente ao estádio ver o Corinthians, mas fica virado para o campo em que o Corinthians ataca durante os 90 minutos. Quando a bola não está desse lado do gramado ele joga Sudoko.

Um amigo que torce para o Fluminense conta que antes do gol de barriga do Renato Gaúcho contra o Flamengo, em 1995, ele tinha dado um beijo no rosto do vendedor de cerveja em agradecimento ao troco que o trabalhador conseguiu arranjar fazendo com que ele pudesse beber. Meu amigo passou anos indo ver o tricolor no estádio e beijando muitos vendedores de cerveja. É que a gente não desiste tão facilmente de uma superstição. Quando ela para de funcionar, passamos algum tempo insistindo até que uma nova apareça.

No livro de Eduardo Galeano, "Futebol ao Sol e à Sombra", o autor conta uma história maravilhosa envolvendo o Flamengo.

Em 1953, o Flamengo estava há nove anos sem vencer o Campeonato Carioca. Diante da tragédia, um sacerdote católico chamado padre Goes, prometeu que o jejum acabaria desde que os jogadores assistissem sua missa e depois rezassem o rosário de joelhos diante do altar.

O Flamengo foi campeão. Galeano conta que os rivais, furiosos, alegaram que o Flamengo estava usando armas proibidas. O padre Goes deu os ombros e seguiu rezando o rosário de contas vermelhas e pretas com o time. Resumindo: o Flamengo foi tricampeão carioca.

Acontece que no quarto ano o Flamengo perdeu o campeonato e os jogadores deixaram de ir à missa e nunca mais rezaram o rosário. O padre Goes então pediu ajuda ao Papa, que nunca respondeu.