Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Um jogo pra macho
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Felipe Melo disse que o Palmeiras sai em quarto lugar do Campeonato Mundial, depois de perder nos pênaltis para o time egípcio do Al Ahly, de cabeça erguida. É uma declaração curiosa. Derrotas, especialmente as mais inesperadas, não deixam a gente de cabeça erguida. Derrotas deixam a gente no chão. Perder não é agradável, nunca vai ser. E abaixar a cabeça depois de uma derrota tem sentido simbólico. Indica reflexão e humildade. Indica que é hora de se recolher, de analisar se erramos, onde erramos e como podemos nos aperfeiçoar.
Quando o Palmeiras foi campeão da Libertadores contra o Santos, ao final do jogo, o narrador disse que o Santos podia se considerar vencedor também. Minha mulher entrou na sala justamente nessa hora e, embora seja flamenguista, tenha camisa e tudo mais, não é apaixonada pelo jogo. Diante do comentário, parou e me disse: "O Santos ganhou?". Eu respondi que não. E ela: "Por que, então, o Santos pode se considerar vencedor?". Eu fiquei muda. E ela insistiu: "O propósito de uma final não é ter um vencedor e um perdedor?". Eu disse que sim, e ela concluiu: "Então o Santos pode se considerar perdedor, né?". E com isso se retirou.
Não sabemos perder. E um pouco dessa culpa não é nossa. Vivemos numa sociedade que diz que podemos ser muitas coisas, mas perdedores não é uma delas. Nos Estados Unidos, ser chamado de loser (perdedor) é uma ofensa. Mas quem nunca perdeu? Quem nunca fracassou? Não faz parte dessa experiência humana ser derrotado? Não é esse um dos caminhos para que a gente evolua, melhore, amadureça?
Que tipo de pessoas são aquelas que não podem perder? Quem são aqueles que se recusam a abaixar a cabeça? A masculinidade tóxica fere mulheres todos os dias. Machuca, tortura e mata. Mas a mesma masculinidade tóxica — essa que diz que um macho de verdade aguenta tudo, não chora, não se mostra vulnerável, não se deixa penetrar jamais — todos os dias massacra homens.
Que peso enorme deve ser não poder perder. Que peso gigantesco não poder se mostrar enfraquecido, pedir ajuda, reconhecer o fracasso. É um jogo para macho, para quem fracassa mas não abaixa a cabeça, para quem acha que o mundo é dos fortes.
Outro dia, li que em "A Origem das Espécies" Charles Darwin mencionou a expressão "sobrevivência do mais forte" duas vezes e a palavra "amor" 95 vezes.
O mundo, pelo menos o mundo no qual acredito, não é dos fortes mas dos que sabem amar. Amar é ato de coragem porque comporta sempre um certo risco. A entrega, a perda, a solidão. Atravessa inevitavelmente alguma tristeza, e tristeza não é sentimento nobre hoje em dia. Tristeza não vende, não serve para postagem em rede social, não leva ninguém a lugar nenhum.
Que tipo de sociedade estamos formando quando declaramos guerra à tristeza? Para Rainer Maria Rilke, tristeza era a vida nos pegando pelas mãos e nos transformando. Como da morte, nunca houve um ser humano que tivesse escapado dela. Mas a gente pode, claro, tentar escapar da chance de se transformar. O que é, e sempre será, a maior das derrotas.
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