No Mundial, Fifa esquece campanhas de proteção de direitos humanos
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A Copa do Mundo de Clubes organizada pela Fifa, em 2025, chamou atenção não apenas pelo nível técnico das equipes, mas por um outro fator, a ausência completa de campanhas contra o racismo e a discriminação. Segundo o portal The Athletic, a entidade máxima do futebol preparou materiais promocionais com essa temática nos meses que antecederam o torneio, mas eles simplesmente desapareceram, não foram vistos em estádios, redes sociais da Fifa ou nas cidades-sede do evento.
Além disso, também não foram exibidos nos jogos os protocolos antirracismo, como os anúncios de conscientização ou o chamado "gesto antirracismo universal",lançado pela própria Fifa em setembro de 2024, no qual jogadores e comissões técnicas cruzam os pulsos para sinalizar ao árbitro que estão sendo vítimas de ofensas racistas.
A decisão da entidade gerou críticas e preocupações. Para parte da imprensa internacional, o recuo ocorre em um momento em que a relação entre Gianni Infantino, presidente da Fifa, e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump se fortalece. A imagem dos dois juntos, divulgada no início do ano, foi seguida por um comentário contundente de Ambet Yuson, secretário-geral da BWI (Building and Wood Workers' International):
"O presidente da Fifa, Gianni Infantino, não tem problema em aparecer em fotos com o presidente dos EUA, mas a Fifa não pode nem garantir proteções básicas para os trabalhadores que constroem seu próprio show da Copa do Mundo. Eles não aprenderam nada com o Catar e a Rússia."
O episódio se soma a outro sinal interpretado como parte dessa guinada: o Super Bowl deste ano, realizado em fevereiro, foi o primeiro desde 2021 a não exibir a campanha "End Racism" no estádio. À época, o gesto foi visto como um reflexo do novo clima político nos Estados Unidos, onde várias corporações e entidades têm recuado em suas políticas de diversidade, equidade e inclusão.
A Fifa não explicou os motivos do desaparecimento das campanhas anti discriminatórias, limitando-se a dizer que "permanece neutra em questões políticas", conforme estabelece seu estatuto. A justificativa não convenceu especialistas em direito esportivo e compliance, que veem na omissão uma quebra dos compromissos públicos da entidade com os direitos humanos.
Para o advogado Andrei Kampff, colunista do portal Lei em Campo, o recuo não surpreende, mas confirma um padrão preocupante:
"Desde o escândalo do FIFAgate, em 2015, a FIFA vem anunciando avanços na incorporação dos direitos humanos em sua governança, inclusive com alterações em seus regulamentos e compromissos formais no estatuto. No entanto, na prática, as ações da entidade ainda estão muito aquém do que ela própria estabelece".
Além disso, Andrei acredita que já passou da hora de a FIFA deixar claro se adota, de fato, uma política de direitos humanos e, caso a resposta seja positiva, que a implemente com seriedade. "Isso significa assumir compromissos inegociáveis com a liberdade de expressão, com a proteção dos atletas e com o combate efetivo a todas as formas de discriminação", completa.
A crítica também encontra eco em outras áreas do direito. Para o especialista em compliance Fernando Monfardini, a ausência de propósito real nas ações da Fifa acaba gerando decisões incoerentes, que mudam conforme o cenário político:
"Quando qualquer decisão é tomada sem propósito, é assim. Tudo muda conforme o vento sopra. A FIFA só não pode se esquecer que governos e governantes vêm e vão, inclusive dentro da entidade."
Entre o discurso e a prática
O distanciamento entre discurso e ação se tornou um dos maiores pontos de desgaste da Fifa nos últimos anos. Apesar de incluir a promoção dos direitos humanos como um de seus compromissos formais desde 2016, a entidade vem sendo criticada por falhas recorrentes na fiscalização de abusos trabalhistas nas obras da Copa do Catar, no tratamento dado a manifestações políticas de atletas, e agora na omissão em sua própria competição oficial de clubes.
A decisão de não exibir as campanhas anti racismo ocorre justamente em um momento de alta na frequência de denúncias de injúrias raciais contra jogadores em diferentes partes do mundo. Em torneios da própria Fifa, como a Copa do Mundo Feminina de 2023 e a Copa do Mundo Sub-20, os protocolos de denúncia e sinalização foram amplamente divulgados, o que realça ainda mais o contraste.
Mesmo alegando neutralidade política, a omissão da Fifa reacende o debate sobre até que ponto é possível separar o futebol de questões sociais e humanitárias. E, mais do que isso, se essa neutralidade não estaria, na prática, servindo como conveniência para decisões que evitam embates públicos, mesmo quando os valores da própria entidade estão em jogo.
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