Náutico pode evitar leilão da sede com plano de recuperação? Entenda a lei
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O Clube Náutico Capibaribe está em meio a uma das maiores crises de sua história. A Justiça pode suspender temporariamente o leilão da sede do clube, previsto devido a dívidas fiscais acumuladas. A medida, porém, depende da apresentação de um plano concreto de recuperação judicial por parte da diretoria alvirrubra.
De acordo com decisão do juiz Nehemias de Moura Tenório, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), o Náutico tem 15 dias para definir a data de uma assembleia de credores e apresentar a viabilidade de oferecer parte de seu patrimônio como garantia. A decisão menciona, entre os bens possíveis, a garagem da Rua da Aurora e parte do terreno do centro de treinamento, preservando os ativos considerados essenciais, como o estádio dos Aflitos e a sede social.
Segundo a Justiça, o clube já pediu três prorrogações anteriores sem apresentar definições objetivas. A cobrança agora é clara, ou o Náutico oferece uma solução viável, ou corre o risco de ter bens leiloados ou até enfrentar um processo de falência.
O valor global envolvido no processo de recuperação passa dos R$25 milhões, já depositados em juízo e relacionados a um acordo com a empreiteira Odebrecht, montante que, se liberado, poderia aliviar significativamente as finanças do clube.
O que é a Recuperação Judicial e como ela funciona no futebol?
A recuperação judicial é um instrumento previsto na Lei nº 11.101/2005, geralmente utilizado por empresas em crise financeira para renegociar dívidas com credores e tentar evitar a falência. O objetivo principal é garantir a continuidade das atividades, preservar empregos e manter a geração de receita.
Nos últimos anos, essa ferramenta começou a ser adotada também por clubes de futebol, que passaram a ser reconhecidos como entidades empresariais para fins legais. Casos como os da Portuguesa e do Figueirense mostraram como a recuperação judicial pode ser um caminho de sobrevivência, embora cercado de obstáculos e complexidades específicas do universo esportivo.
De acordo com o advogado Alexandre Gomes, especialista em direito desportivo, a medida é não apenas viável, mas muitas vezes a única alternativa para evitar o colapso de clubes endividados. Ele explica que, com a edição da Lei da Sociedade Anônima do Futebol (Lei 14.193/2021), os clubes passaram a poder recorrer à recuperação judicial mesmo sem a necessidade de conversão imediata para SAF.
Segundo ele, isso representa um avanço significativo: "Até então, a recuperação judicial e extrajudicial (e a falência) eram elementos jurídicos típicos apenas do empresário e da sociedade empresária."
Na mesma linha, a advogada Luisa Siebeneichler Henze, especialista em Insolvência e Reestruturação, destaca que a Lei da SAF "dispondo expressamente sobre as possibilidades legais dos clubes de futebol tratarem suas dívidas, representou um avanço para a profissionalização da gestão e acesso a instrumentos de reestruturação financeira como a recuperação judicial e extrajudicial".
No caso do Náutico, a situação envolve não apenas dívidas com a União e outras esferas fiscais, mas também a necessidade de manter ativos vitais para a arrecadação, como o estádio, que abriga jogos, patrocinadores e torcedores. A proposta de oferecer outros imóveis como garantia é uma tentativa de preservar esses bens essenciais enquanto se ganha tempo para a reorganização financeira.
Limites legais para alienação de bens e o papel do plano
Segundo Alexandre Gomes, a Lei de Recuperação Judicial estabelece mecanismos claros de proteção patrimonial temporária. "A lei aduz sobre o mecanismo de suspensão temporária das execuções, conhecido como stay period, no qual ficam impedidos quaisquer atos de constrição sobre o patrimônio da sociedade em recuperação", explicou.
Ele lembra que o artigo 6º da Lei 11.101/2005 define o prazo dessa blindagem como 180 dias, prorrogável uma única vez em caráter excepcional.
Durante esse período, bens essenciais do clube, como o estádio ou a sede social, não podem ser leiloados. Isso explica por que o juiz do caso excluiu esses imóveis da lista de possíveis garantias. "Na prática das RJs de clubes, esse prazo tem sido estendido excepcionalmente por até mais de 12 meses", acrescentou Gomes.
Luisa Henze observa que esse tipo de prorrogação, embora incomum em outros setores, tem se tornado regra nos casos de clubes de futebol. "No processo do Náutico, houve sucessivas prorrogações do stay period, que chegou a 450 dias, o que está além do permitido em lei, mas acabou sendo admitido diante da complexidade do caso e da ausência de avanço na convocação da Assembleia-geral de Credores".
O advogado também participou do processo de recuperação judicial do Náutico em 2023, enquanto presidia o Conselho Deliberativo, e relembra que o plano então apresentado previa alternativas de receita que evitavam a venda direta de imóveis. Entre os principais pontos, estavam a indenização da Arena Pernambuco e o contrato de locação de parte do centro de treinamento com a rede de supermercados Mateus.
"Esses recursos suportariam boa parte da transação tributária com a Fazenda Nacional", disse ele. No entanto, o rompimento recente desse contrato preocupa. "Apesar da multa paga pelo Grupo Mateus, não se sabe como está o reordenamento do plano de recuperação judicial neste ponto."
Luisa Henze lembra que, além do plano, o clube implementou uma campanha de conciliação com credores em 2024, com recursos provenientes da multa do contrato com o Grupo Mateus. "A proposta contemplava o pagamento de até 80% dos créditos habilitados, com limites distintos para cada classe de credores, e previa adesão voluntária como forma de acelerar a homologação do plano", explicou.
Falta de gestão e risco de colapso
A nova Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), em vigor desde o ano passado, estabelece normas mais rígidas sobre governança, responsabilidade fiscal e gestão transparente dos clubes. O descumprimento pode implicar sanções e até impedir o acesso a incentivos públicos e patrocínios.
Gomes vê a nova legislação como positiva, embora ainda pouco aplicada no contexto das RJs. Para ele, a nova lei "considera o esporte como de alto interesse social" e estabelece princípios que deveriam ser respeitados por qualquer clube em recuperação: "Transparência, moralidade, conformidade regulatória. Isso deveria ser fiscalizado com mais rigor pelos administradores judiciais e pelo Judiciário".
Ainda assim, ele admite que, na prática, isso nem sempre acontece: "Muito disso se deve à fragilidade gerencial que quase sempre acompanha o caos financeiro em um clube de futebol."
Luisa Henze completa: "O Judiciário tem reconhecido que clubes que exercem atividade econômica podem se valer da recuperação judicial, mas ressalta que isso exige contrapartidas, como o cumprimento dos prazos legais, a convocação tempestiva da Assembleia de Credores e a apresentação de um plano efetivamente viável. Sem isso, a blindagem patrimonial deixa de ser justificável", finaliza.
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