Caso de Bruno Henrique expõe falhas do futebol contra manipulação
Mesmo após a Operação Penalidade Máxima, deflagrada pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) e que resultou na punição de 22 jogadores pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), o futebol brasileiro continua assistindo a escândalos de manipulação de resultado envolvendo jogadores para beneficiar amigos, familiares e criminosos em apostas esportivas.
Nesta semana, o tema voltou aos holofotes depois que a Polícia Federal indiciou Bruno Henrique, atacante do Flamengo, por forçar cartão amarelo em uma partida do Brasileirão 2023 para beneficiar familiares e amigos em apostas.
O caso envolvendo Bruno Henrique é apenas mais um entre tantos outros divulgados quase que mensalmente pela imprensa. Contudo, o caso do camisa 27 acaba sendo um outdoor devido ao tamanho da sua carreira e por defender as cores de um dos principais clubes do Brasil, provocando uma reflexão: onde futebol tem errado e como ele pode se proteger desse problema?
Para o advogado Andrei Kampff, mestre em direito desportivo, é fundamental que as entidades desportivas - clubes, federações e confederações - invistam em projetos de conformidade e integridade.
"Esses casos repetidos de denúncia de manipulação atingindo a elite do esporte são um outdoor de como o futebol não está sabendo proteger a integridade. É preciso apostar e investir em projetos eficientes de conformidade, criar códigos, políticas e cursos que eduquem atletas e membros da cadeia associativa do futebol sobre a importância da integridade. Além disso, a Justiça Desportiva tem um papel importante, punindo com rigor a manipulação de resultados, uma vez que a aplicação do direito tem o poder de mudar condutas. ", afirma.
Tiago Horta, head de Integridade para a América Latina na Genius Sports, cita que a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/23) determina que atletas devem receber educação sobre integridade. Contudo, o especialista diz que isso muitas vezes não acontece.
"A palavra aqui é educação. A Lei Geral do Esporte, em seu artigo 9°, diz que os atletas devem receber educação sobre integridade. Porém, sabemos que isso não ocorre da forma como deveria ocorrer. É preciso que programas de educação de atletas sobre os riscos do envolvimento indevido com apostas e com a manipulação de resultados sejam implementados e entregues de forma permanente e com alcance à integralidade dos atletas brasileiros das mais diversas modalidades pelas entidades esportivas com o suporte de pessoal especializado. Uma vez que estejam devidamente instruídos todos os atletas sobre o tema será mais fácil aferir a responsabilidade em casos análogos a este", conta.
Campanhas educativas juntos aos atletas podem e devem começar ainda nas categorias de base. É isso o que faz o Ibrachina FC, fundado em 2020 a partir de um projeto social e um dos principais formadores de jogadores do futebol paulista. Segundo o presidente Henrique Law, o clube realiza um trabalho diário com os jovens talentos sobre questões extracampo que podem ser prejudiciais, entre elas, as apostas esportivas.
"O trabalho feito no Ibrachina é diário. Acompanhamos de perto os atletas de todas as categorias para que os fatores extra campo não atrapalhem os princípios que o clube passa para os atletas, tais como responsabilidade, disciplina, respeito, dignidade e honestidade. Respeitando todo o processo de formação do atleta, o Ibrachina faz questão de se atualizar sobre as questões maléficas que podem prejudicar o esporte e o atleta. Constantemente provemos palestras sobre a manipulação de resultado no esporte, algo praticado há muito tempo já, porém, que hoje tomou uma proporção muito maior do que antigamente", explica o dirigente.
De acordo com Bernardo Cavalcanti Freire, consultor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), a regulamentação do setor cria importantes obrigações para as bets, o que contribui para a transparência no segmento e aumenta a possibilidade de denúncias serem realizadas nos casos de manipulação de jogos.
"Essa mudança é essencial para as casas de apostas, que são as mais prejudicadas quando uma manipulação acontece, visto que são elas que pagam os prêmios indevidos aos manipuladores, e assim correm risco de ações dos demais apostadores", explica o advogado.
Punições na esfera criminal e desportiva
A manipulação de resultado é um problema grave e que afeta diretamente o mais importante do esporte, sua integridade. Nesse sentido, o atleta envolvido pode ser processado na Justiça Comum e Desportiva.
A Lei Geral do Esporte tipifica o crime de manipulação de resultado no artigo 198 e prevê prisão de 2 a 6 anos e multa, para quem "solicitar ou aceitar vantagem indevida ou promessa de tal vantagem com o fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva".
Na Justiça Desportiva, o jogador pode ser denunciado com base nos artigos 243 e 243-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que tratam, respectivamente, de "atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende" e "atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida", com pena de suspensão e até banimento (em caso de reincidência).
A Lei das Bets, sancionada em janeiro deste ano, proíbe a participação direta ou indireta de qualquer pessoa que possa influenciar o resultado de um evento esportivo - como jogadores, dirigentes, técnicos, sócios e operadores de empresas de apostas. A proibição se estende a parentes de linha reta e colateral até o segundo grau, como filhos, pais, irmãos e primos, que estão impedidos de apostar na modalidade de quota fixa.
Entenda o que levou ao indiciamento de Bruno Henrique
Bruno Henrique, atacante do Flamengo, foi indiciado pela Polícia Federal por envolvimento em um esquema para manipular apostas esportivas.
De acordo com as investigações, o jogador forçou uma falta para receber um cartão amarelo a fim de beneficiar amigos e familiares na partida contra o Santos, pelo Brasileirão 2023, realizada em 1º de novembro.
Investigadores encontraram no aparelho celular do irmão de Bruno Henrique troca de mensagens que comprometem o jogador e o colocam diretamente ligado ao esquema de apostas. Além dele, foram indiciadas outras nove pessoas, entre elas: Wander Nunes Pinto Júnior, irmão do atleta; Ludymilla Araújo Lima, esposa de Wander; e Poliana Ester Nunes Cardoso, prima do jogador. Os três fizeram apostas.
A PF analisou 3.989 conversas no WhatsApp de Bruno Henrique, sendo muitas delas vazias ou apagadas — o que, para os investigadores, pode indicar que o atacante deletou parte dos registros.
No entanto, os agentes apreenderam o celular do irmão do jogador, Wander Nunes Pinto Júnior, e identificaram diálogos que mostram o envolvimento de Bruno Henrique no esquema para receber um cartão amarelo durante a partida contra o Santos.
A reportagem do 'Metrópoles' traz prints das conversas de Bruno Henrique com o irmão combinando o cartão amarelo. Confira abaixo um trecho do diálogo:
Wander: O tio você está com 2 cartão no brasileiro?
Bruno Henrique: Sim
Wander: Quando [o] pessoal mandar tomar o 3 liga nós hein kkkk
Bruno Henrique: Contra o Santos
Wander: Daqui quantas semanas?
Bruno Henrique: Olha aí no Google
Wander: 29 de outubro. Será que você vai aguentar ficar até lá sem cartão kkkkkk
Bruno Henrique: Não vou reclamar. Só se eu entrar forte em alguém
Wander: Boua já vou guardar o dinheiro investimento com sucesso.
Na véspera do jogo, os dois voltaram a conversar. O jogador escreve: "Lembra a parada que você me pergunto uns tempo atrás [sic]". O irmão responde: "Do quê?", e o atleta faz uma ligação. Há conversas posteriores em que o flamenguista demonstra conhecer os ganhos do familiar com apostas.
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