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Por que forçar cartão amarelo configura manipulação de resultado? Entenda

A Polícia Federal indiciou o atacante Bruno Henrique, do Flamengo, por forçar um cartão amarelo no jogo contra o Santos, pelo Brasileirão de 2023, a fim de beneficiar apostas esportivas de familiares e amigos.

Investigadores encontraram no aparelho celular do irmão de Bruno Henrique troca de mensagens que comprometem o jogador e o colocam diretamente ligado ao esquema de apostas.

Além do jogador, foram indiciadas outras nove pessoas, entre elas: Wander Nunes Pinto Júnior, irmão do atleta; Ludymilla Araújo Lima, esposa de Wander; e Poliana Ester Nunes Cardoso, prima do jogador. Os três fizeram apostas.

O indiciamento de Bruno Henrique trouxe alguns debates nas redes sociais. Há quem entenda que o cartão amarelo tomado pelo jogador não configura manipulação de resultado, uma vez que o ato não interferiu diretamente no resultado da partida. No entanto, tecnicamente, especialistas afirmam que o entendimento não é esse.

"O caso de Bruno Henrique pode ser considerado manipulação de resultado nos termos do art. 103 do Regulamento Geral de Competições (RGC) 2025 da CBF, pois o jogador é suspeito de ter forçado intencionalmente um cartão amarelo para beneficiar apostadores, o que se enquadra como "assegurar a ocorrência de um acontecimento particular durante a partida que possa ser objeto de aposta" (inciso III). Ainda que o lance não altere o placar final, trata-se de interferência deliberada em um evento do jogo com potencial de gerar lucro em sites de apostas, violando a integridade da competição. Se confirmada a intenção e o vínculo com apostas, a conduta configura infração grave e passível de sanções no âmbito desportivo", diz Leonardo Garcia, advogado especializado em direito desportivo.

Tiago Horta Barbosa, head de Integridade para a América Latina na Genius Sports, aponta que um dos grandes problemas do caso foi o vazamento da informação que Bruno Henrique forçaria o terceiro cartão amarelo.

"Não é um caso simples, pois ele guarda nuances muito peculiares. Primeiro, ao que parece, o atleta entrou em campo já com a intenção de forçar o terceiro cartão amarelo. Isso não é algo recomendável sob o aspecto da integridade, mas talvez se justifique sob o aspecto técnico. O que quero dizer é que esse artifício é comumente usado no futebol. O problema, porém, começa quando o atleta vaza a informação a terceiros em relação ao que pretendia fazer em campo e tal informação acaba sendo usada para obtenção de lucros indevidos nos mercados de apostas por esses terceiros", afirma.

"A partir daí, em especial quando os ganhos favoráveis aos apostadores ocorrem, é natural se imaginar que o atleta fez isso de forma premeditada. Porém, será que fez mesmo? Aí é que vem a segunda nuance interessante desse caso. Claro que, se provado que o atleta agiu de forma proposital, para favorecer seus parentes, por exemplo, fica óbvia a manipulação. Mas, e se ele agiu com ingenuidade e sem prever o resultado? Ou seja, sem saber o que seria feito com aquela informação importante que ele facilitou? Há dolo eventual aqui ou mera culpa consciente? O atleta dispunha de informação suficiente para que possamos cobrar que tivesse agido de maneira diferente? O atleta recebeu educação sobre integridade? Essas e outras perguntas precisam ser respondidas para que se possa chegar a um veredito sobre se Bruno Henrique colaborou ou não para manipular o resultado", pondera o especialista.

Como futebol pode se proteger de casos envolvendo manipulação de apostas?

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Segundo Tiago Horta, apesar da Lei Geral do Esporte prever que atletas devem receber educação sobre integridade, muitas vezes isso não acontece.

"A palavra aqui é educação. A Lei Geral do Esporte, em seu artigo 9°, diz que os atletas devem receber educação sobre integridade. Porém, sabemos que isso não ocorre da forma como deveria ocorrer", afirma.

Art. 9º Em todos os níveis e serviços da prática esportiva haverá a adoção de medidas que conscientizem, previnam e combatam a prática de intimidação sistemática (bullying), bem como as práticas atentatórias à integridade esportiva e ao resultado esportivo.

"É preciso que programas de educação de atletas sobre os riscos do envolvimento indevido com apostas e com a manipulação de resultados sejam implementados e entregues de forma permanente e com alcance à integralidade dos atletas brasileiros das mais diversas modalidades pelas entidades esportivas com o suporte de pessoal especializado. Uma vez que estejam devidamente instruídos todos os atletas sobre o tema será mais fácil aferir a responsabilidade em casos análogos a este", acrescenta o especialista.

Entenda o que levou ao indiciamento de Bruno Henrique

Bruno Henrique, atacante do Flamengo, foi indiciado pela Polícia Federal por envolvimento em um esquema para manipular apostas esportivas.

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De acordo com as investigações, o jogador forçou uma falta para receber um cartão amarelo a fim de beneficiar amigos e familiares na partida contra o Santos, pelo Brasileirão 2023, realizada em 1º de novembro.

Investigadores encontraram no aparelho celular do irmão de Bruno Henrique troca de mensagens que comprometem o jogador e o colocam diretamente ligado ao esquema de apostas. Além dele, foram indiciadas outras nove pessoas, entre elas: Wander Nunes Pinto Júnior, irmão do atleta; Ludymilla Araújo Lima, esposa de Wander; e Poliana Ester Nunes Cardoso, prima do jogador. Os três fizeram apostas.

A PF analisou 3.989 conversas no WhatsApp de Bruno Henrique, sendo muitas delas vazias ou apagadas — o que, para os investigadores, pode indicar que o atacante deletou parte dos registros.

No entanto, os agentes apreenderam o celular do irmão do jogador, Wander Nunes Pinto Júnior, e identificaram diálogos que mostram o envolvimento de Bruno Henrique no esquema para receber um cartão amarelo durante a partida contra o Santos.

A reportagem do 'Metrópoles' traz prints das conversas de Bruno Henrique com o irmão combinando o cartão amarelo. Confira abaixo um trecho do diálogo:

Wander: O tio você está com 2 cartão no brasileiro?

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Bruno Henrique: Sim

Wander: Quando [o] pessoal mandar tomar o 3 liga nós hein kkkk

Bruno Henrique: Contra o Santos

Wander: Daqui quantas semanas?

Bruno Henrique: Olha aí no Google

Wander: 29 de outubro. Será que você vai aguentar ficar até lá sem cartão kkkkkk

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Bruno Henrique: Não vou reclamar. Só se eu entrar forte em alguém

Wander: Boua já vou guardar o dinheiro investimento com sucesso.

Na véspera do jogo, os dois voltaram a conversar. O jogador escreve: "Lembra a parada que você me pergunto uns tempo atrás [sic]". O irmão responde: "Do quê?", e o atleta faz uma ligação. Há conversas posteriores em que o flamenguista demonstra conhecer os ganhos do familiar com apostas.

Flamengo emite nota oficial sobre o caso

"O Flamengo não foi comunicado oficialmente por qualquer autoridade pública acerca dos fatos que vêm sendo noticiados pela imprensa sobre o atleta Bruno Henrique. O Clube tem compromisso com o cumprimento das regras de fair play desportivo, mas defende, por igual, a aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência e o devido processo legal, com ênfase no contraditório e na ampla defesa, valores que sustentam o estado democrático de direito".

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