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Futebol erra ao punir Inter que deixou o campo após ofensa racial a jogador

Nesta terça-feira (25), mais um caso de racismo envolvendo atletas brasileiros no exterior foi registrado. A equipe sub-18 do Internacional deixou o campo durante a partida contra o Torino, pelas oitavas de final da Viareggio Cup - tradicional torneio da categoria realizado na Itália -, após o lateral Kauã Barbosa sofrer ofensas racistas por parte de um jogador adversário.

Restando dois minutos para o final do primeiro tempo da partida, o lateral Kauã Barbosa foi expulso ao reagir aos insultos proferidos por Filippo Conzato, do Torino. O jogador do Colorado diz que o atleta adversário, que é brasileiro naturalizado italiano, o chamou de "macaco" duas vezes após uma disputa de bola.

Após a expulsão de Kauã, o técnico João Miguel invadiu o gramado e foi cobrar o árbitro, junto com os demais jogadores do Inter. Aparentemente, o treinador também recebe cartão vermelho.

Depois de alguns minutos de discussão, o técnico orienta os jogadores a deixarem o gramado rumo ao vestiário. O Inter chegou a voltar a campo minutos depois, mas a partida não foi retomada.

A organização do Viareggio Cup informou que a partida foi dada como encerrada, com vitória por 3 a 0 declarada para o time italiano por W.O. Em nota oficial, o Inter afirmou que a decisão da organização de eliminar o clube da competição "demonstra uma relativização do ato de injúria cometido".

Eliminação do Inter é certa?

O advogado André Scalli, especialista em direito desportivo, afirma que o caso escancara um vácuo na proteção jurídica das vítimas de racismo em competições internacionais, sendo uma inversão de valores que precisa ser revista urgentemente.

Em relação à desclassificação do Colorado, Scalli explica o que prevê o Código Disciplinar da FIFA.

"O Código Disciplinar da FIFA, no artigo 15, prevê punições severas para atos discriminatórios, incluindo a perda de pontos, multa, realização de partidas sem público e até exclusão de competições. Inclusive, se uma partida for abandonada em razão de racismo, a equipe responsável pode ser punida com a perda do jogo. Mas isso depende da decisão do árbitro, e não de um ato unilateral do clube ofendido", conta.

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"Neste caso, o árbitro não interrompeu a partida — quem tomou a atitude foi o Internacional. E essa é a falha. O regulamento da competição penaliza a equipe que abandona o campo, independentemente do motivo. Mas se o árbitro tivesse cumprido o que prevê o Código Disciplinar e encerrado a partida por racismo, a responsabilização recairia sobre o Torino", acrescenta.

A advogada Ana Mizutori também aponta erro do Inter ao abandonar o campo de forma deliberada.

"Embora possa ser compreensível o inconformismo da equipe em permanecer em uma partida diante do que se descreveu, não é permitido, que uma equipe abandone o campo deliberadamente. Quando isso ocorre, o time pode ser declarado derrotado por W.O, como foi o caso do Inter", diz a especialista em direito desportivo.

Segundo a advogada, o árbitro da partida errou em não colocar em prática o protocolo de racismo da FIFA.

"Segundo o novo Código Disciplinar da FIFA (em vigor desde 2019), há um protocolo claro para casos de racismo em campo, onde o árbitro deve seguir três etapas: 1) paralisar a partida e fazer um anúncio no sistema de som do estádio; 2) suspender o jogo temporariamente, se os atos discriminatórios persistirem; 3) encerrar a partida definitivamente, se necessário. Ou seja, a interrupção deveria partir da arbitragem", explica.

"No entanto, a punição esportiva ao Internacional não impede que eventual acusação de injúria racial seja investigada e julgada pelas autoridades esportivas ou legais. O Código Disciplinar da FIFA prevê sanções graves para atos discriminatórios: suspensão de pelo menos dez jogos, multas pesadas, partidas com portões fechados, dedução de pontos e até exclusão de competições. Apesar do clube gaúcho ter sido penalizado pela forma de protesto, a denúncia ainda pode resultar em punições ao jogador do Torino, caso a injúria racial seja confirmada", finaliza Ana Mizutori.

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Andrei Kampff, jornalista, advogado e autor dessa coluna entende que o "futebol mostrou nesse caso que não está preparado para lidar de maneira efetiva com o combate ao preconceito. Ele não aplicou o protocolo da FIFA e a vítima acabou sendo punida. O Inter, de maneira corajosa, se posicionou com uma atitude radical, que o caso exigia, mesmo sabendo dos riscos".

Inter se manifesta:

"O Sport Club Internacional repudia veementemente o ato de racismo sofrido pelo atleta Kauã Barbosa na partida contra o Torino-ITA, válida pelas oitavas de final da Viareggio Cup Sub-18, realizada na região da Toscana, na Itália. Aos 45 minutos do primeiro tempo, um jogador adversário proferiu as palavras "mono" e "macaco" contra nosso atleta, além de fazer um gesto em referência à cor de sua pele, configurando uma inaceitável injúria racial.

Diante da situação, Kauã Barbosa acabou revidando e foi expulso. De imediato, relatou o ocorrido à comissão técnica, que informou à arbitragem. Em ato de protesto, diante da inércia do árbitro e do delegado da partida, a equipe decidiu retirar os jogadores de campo, o que resultou na paralisação do jogo e na posterior eliminação do Inter do torneio. De ordem prática, tal decisão esportiva demonstra uma relativização do ato de injúria cometido.

O Sport Club Internacional reforça seu compromisso inegociável na luta contra o racismo e qualquer forma de discriminação. O clube prestará todo o apoio necessário ao atleta Kauã Barbosa e tomará as medidas cabíveis para que o caso seja devidamente apreciado e tratado pelas autoridades italianas".

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