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Guerras no mundo escancaram falta de compromisso do esporte com a paz

A Guerra no Oriente Médio assusta o mundo, assim como a Guerra na Ucrânia e em tantos cantos do mundo nos expõe ao absurdo. Diante da derrota da humanidade, não existem soluções mágicas. Mas encontrar formas de mitigar o problema de uma maneira coerente me parece ser algo importante.

Caminhos encontrados pelo esporte para se posicionar contra a Rússia e provocar pressão interna na tentativa de ajudar a acabar com as bombas são inéditos e atingem não só o país, como entidades associativas e atletas. Mas até agora, pouco se vê do esporte se posicionando a respeito da guerra no Oriente Médio.

Lembrei de voltar a esse tema por aqui depois de ver a foto dos amigos Regis Rosing, Cláudio Marques e Antônio Gil com o ex-líder do grupo extremista Hesbollah. Eles foram a única equipe do ocidente a conseguir uma entrevista pessoalmente com Hassan Nasseralah, morto recentemente em bombardeio israelense. Foram para fazer reportagens sobre esporte e voltaram com uma matéria para o Fantástico que repercutiu no mundo.

Esporte não se separa da vida. E vida impõe ações.

É fato que o ocidente continua a boicotar a Rússia. Empresas saíram do país, governos cortaram contratos, atletas estão proibidos de vestir a camisa das federações de lá. Ninguém gritou quando os times de futebol russos foram excluídos das competições da FIFA e da UEFA, e seus atletas excluídos das competições do COI.

Mas o objetivo é mesmo proteger direitos humanos ou atingir o alvo? Essa pergunta me parece oportuna quando a gente vê o silêncio do movimento esportivo em relação a guerra no Oriente e a outras violações graves de direitos humanos em países que serão sedes de grandes eventos esportivos.

Fica mesmo difícil de explicar para uma criança.

Lendo um artigo muito interessante e aprofundado do Nick McGeehan na Revista do Instituto Asser, O esporte está navegando sem leme em meio a tempestades geopolíticas - As respostas da Rússia e de Israel mostram como a ausência de regras torna a FIFA e o COI ferramentas do norte global , uma reflexão se fez necessária: o esporte não estaria mais uma vez se alinhando às posições políticas dos países do norte global?

Nick acredita que sim. Ele demonstra - a partir da análise de casos anteriores - como a ausência de regras deixou a FIFA e o COI navegando sem leme em águas geopolíticas tempestuosas e argumenta que eles precisam instituir regras para orientar suas respostas a eventos dessa gravidade e magnitude.

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No texto, ele ataca algo que tenho comentado e escrito: é preciso acabar com o sofisma de que esporte e política podem ser mantidos separados, isso permitiria que os órgãos dirigentes do esporte alavancassem apropriadamente seu poder político. E, segundo Nick, criassem um caminho legítimo que "não apenas agissem como fantoches do norte global.".

Rússia e um caso de força maior

Já escrevi sobre o caso da Rússia, guerra e esporte . Não foi a proteção de direitos humanos que determinou as sanções ao país, mas conforme decisão do Tribunal Arbitral do Esporte, as medidas eram "justificadas e necessárias diante da reação generalizada e sem precedentes da comunidade internacional". O Tribunal confirmou que o esporte tinha o direito de tomar sua decisão, já que a invasão da Ucrânia pela Rússia foi um caso de força maior ( um evento catastrófico que não poderia ter sido previsto ) , garantindo a ela o direito, sob os regulamentos da Copa do Mundo, de excluir a Rússia.

O TAS ficou do lado da FIFA, observando que nem os estatutos da FIFA nem os regulamentos da Copa do Mundo continham quaisquer disposições específicas que abordassem guerras de agressão, mas concordando com a posição da FIFA de que ela tinha que responder urgentemente e que "as consequências da ação militar eram um evento de força maior".

Importante destacar que o Painel não analisou conflitos globais anteriores e as respostas de outras federações esportivas internacionais em relação ao envolvimento de um país em particular nesses conflitos.

Para citar um exemplo, as atividades do regime de Assad na Síria não provocou, para o bem ou para o mal, a mesma reação global de governos, organizações não governamentais, órgãos internacionais ou do público em geral. Portanto, esporte deixou como estava.

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A realidade é que o conflito russo provocou uma reação global sem precedentes, inclusive entre o público em geral, e foram as consequências dessa reação que levou a FIFA a agir para cumprir seus objetivos estatutários.

A opinião pública, a reação, a irritação, geram debates e podem provocar aprendizados.

Foi a pressão política do Norte Global, por meio das federações europeias de futebol, que forçou a FIFA a agir.

O mesmo aconteceu dentro da cadeia olímpica. Poucos dias após as tropas russas entrarem na Ucrânia, o COI emitiu uma declaração dizendo que estava "unido em seu senso de justiça para não punir atletas [russos] pelas decisões de seu governo", mas, mesmo assim, recomendou que as Federações Esportivas Internacionais e organizadores de eventos esportivos não convidassem ou permitissem a participação de atletas russos (e bielorrussos).

Como sempre destacamos, a Carta Olímpica está repleta de referências à "sociedades pacíficas" e "solidariedade" e o "desenvolvimento da humanidade", "proteção de direitos humanos" e ninguém contestaria o fato de que a guerra brutal e sangrenta da Rússia contra a Ucrânia é totalmente inconsistente com esses valores, mas pode-se dizer o mesmo de vários conflitos e agressões que não levaram o COI a agir.

Mas e outras guerras? E genocídios? E violências reiteradas a direitos universais das mulheres e minorias?

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E aqui, algo que no esporte poderia pensar e avançar. Andréa Florence do Sports e Rights Alliance já comentou, Nick tocou nessa questão e eu acho um caminho importante: por que a Carta Olímpica e o Estatuto da FGIFA não contém referências a normas legais internacionais - à anexação ilegal ou violações de normas internas, crimes de guerra ou ocupação ou agressão ou crimes contra a humanidade - como elemento para banimento do movimento esportivo?

O que nos parece é que as respostas do movimento esportivo às ações da Rússia na Ucrânia não foram baseadas em regras, elas foram respostas às posições políticas dos estados poderosos do norte global. Se houvesse alguma dúvida sobre isso, a falha desses órgãos esportivos em responder às ações de Israel após os crimes de guerra do Hamas de 7 de outubro certamente fornece evidências conclusivas.

Banir ou não?

O que houve em Gaza foi algo triste e chocante. A África do Sul chegou a abrir um processo contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça, argumentando que há um genocídio por lá.

O CIJ emitiu medidas provisórias sobre a Rússia em março de 2022 e 32 estados intervieram formalmente no caso, a maioria deles os mesmos estados ocidentais que criticaram a decisão do COI de revogar sua proibição geral de atletas russos.

Nenhum desses estados interveio em apoio ao caso contra Israel, apesar das evidências convincentes apresentadas pela equipe jurídica da África do Sul.

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O texto de 84 páginas do pedido da África do Sul é chocante:

"Uma criança palestina em Gaza foi morta aproximadamente a cada 15 minutos desde que Israel iniciou a ação militar em Gaza em 7 de outubro de 2023. ? 61 hospitais e unidades de saúde em Gaza foram danificados ou destruídos ? Bebês estão morrendo de causas evitáveis: além de doenças e desnutrição, bebês prematuros morreram devido à falta de combustível para abastecer geradores de hospitais; outros foram encontrados em decomposição em seus berços de hospital? Mais de 60 por cento das casas em Gaza foram danificadas ou destruídas. ? 93 por cento da população em Gaza está enfrentando níveis de crise de fome, com mais de um em cada quatro enfrentando "condições catastróficas" — com morte iminente. "

Não houve apelo da opinião pública ocidental para banir Israel dos jogos de Paris, nem de competições da FIFA.

Antoine Duval, um pensador francês do esporte e dos direitos humanos, entende que "A Federação Russa não é mais diretamente responsável pela invasão russa ilegal da Ucrânia do que a o esporte israelense pela ocupação ilegal pelo exército israelense dos Territórios Palestinos Ocupados. Por que outras guerras não são consideradas tão perturbadoras a ponto de levar à suspensão das equipes nacionais?"

Fora do ocidente, houve apelos de países árabes por punição à Israel.

A questão não é de múltipla escolha e exige debates e aprendizados. De todos.

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Escrevi também nessa coluna sobre o caso da Iuguslávia apresentou um caminho que poderia servir de debate.

A exclusão de um time esportivo - por mais moralmente justificado que fosse - foi motivada por regras precisas e devido processo.

Como?

Através de regras e processos do Conselho de Segurança da ONU, um corpo anacrônico e profundamente antidemocrático controlado por seus cinco membros permanentes - Rússia, China, Estados Unidos, Reino Unido e França - , nenhum dos quais poderia ser chamado de pacifista.

O esporte e a paz

É possível para o esporte navegar com segurança por essas águas geopolíticas agitadas e perigosas? Talvez não, mas ele poderia ao menos traçar um curso.

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Enquanto o esporte não avança nisso, para da FIFA e do COI às ações da Rússia na Ucrânia não foram baseadas em regras, elas foram respostas às posições políticas dos estados poderosos do norte global.

O esporte tem compromissos históricos com a paz e com a defesa de direitos humanos. Eles estão presentes em seus documentos privados, mas são também elementos intrínsecos, que fazem parte da natureza do esporte.

E, sabemos, esporte e política não se afastam, por mais que teime a neutralidade esportiva. Mas eles bem que poderiam ter caminhos mais transparentes.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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