Topo

Lei em Campo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que julgamento de Platini e Blatter é aula para os gestores esportivos

Andrei Kampff

21/06/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Ainda me surpreendo com uma manchete como a da semana passada: "Justiça suíça pede 18 meses de prisão para Platini e Blatter por fraude na Fifa". Mas a verdade é que o escândalo que colocou dois dos principais dirigentes do futebol mundial no banco dos réus não é novidade e o recado já foi dado para todos aqueles que administram o esporte: façam o certo.

O caso que envolve o ex-presidente da Fifa, Blatter, e o ex-presidente da UEFA, Platini, é um outdoor de como descaminhos na esfera privada podem levar a um processo que não só afaste o dirigente da esfera esportiva, como também o leve para a cadeia.

O tribunal criminal federal de Bellinzona anunciará sua decisão sobre o caso no dia 8 de julho. O promotor Thomas Hildbrand não reivindicou uma sentença de prisão firme contra os dirigentes — que podem pegar até cinco anos. Por mais de quatro horas e meia, dedicou-se a desmantelar a tese de um "contrato oral" fechado entre ambos para um trabalho de assessoria realizado por Platini para a Fifa.

O Caso Platini/Blatter

Os documentos apresentados pelo promotor Thomas Hildbrand acusam Platini de cumplicidade em administração criminosa, apropriação indébita e falsificação. Segundo a acusação, o ex-presidente da UEFA de receber da FIFA um pagamento irregular de 2 milhões de francos suíços (cerca de 10.9 milhões de reais), em 2011.

O ex-presidente da entidade máxima do futebol, Joseph Blatter, também foi formalmente acusado pela procuradoria.

Ambos negam qualquer irregularidade. Eles alegam que o dinheiro vinha de um trabalho realizado pelo ex-jogador/ex-cartola entre 1999 e 2002.

O caso já foi punido pelo movimento esportivo

A investigação das autoridades suíças em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos provocou um tsunami no mundo do futebol, tanto que ganhou o nome de Fifagate. No dia 27 de maio de 2015, vários dirigentes da entidade foram presos acusados de corrupção privada e desvio de dinheiro, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marin.

As investigações também levantaram irregularidades da gestão do então presidente da Fifa. E o pagamento a Platini estava entre elas.

Um pouco depois da prisão dos dirigentes, as autoridades da FIFA iniciaram um processo disciplinar em relação a um complemento salarial de 2 milhões de francos suíços que Platini havia recebido em 2011, no contexto de um contrato verbal entre ele e o presidente da FIFA, para atividades como consultor entre 1998 e 2002.

O caso foi analisado primeiro pelo Comitê de Ética.

Inicialmente, ele recebeu uma suspensão de oito anos de todas as atividades relacionadas ao futebol nos níveis nacional e internacional e foi multado em 80.000 francos suíços pela câmara adjudicatória do Comitê de Ética da FIFA.

A sanção foi confirmada pelo Comitê de Apelação da FIFA, mas a pena foi reduzida para seis anos de suspensão.

Platini não desistiu.

Ele recorreu dessa decisão para o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS). Ele alegou que os artigos do Código de Ética da FIFA invocados não eram aplicáveis no momento dos atos relevantes e que a sanção parecia excessiva. O TAS rejeitou esta denúncia, mas reduziu o período de suspensão de seis anos para quatro e a multa de 80.000 para 60.000 mil francos suíços.

Seguindo a cadeia jurídica do esporte, ainda cabia recurso civil contra a decisão do TAS perante o Tribunal Federal Suíço, que confirmou a decisão, considerando que tendo em vista a idade do requerente (61 em 2015), a duração da suspensão não parecia excessiva.

Uma última esperança, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos> mas em março de 2021, a decisão não foi favorável a Platini. O TEDH não acatou um último recurso contra a punição na esfera esportiva. O Tribunal considerou "justificada" a suspensão de 4 anos imposta a ele devido ao pagamento que recebeu da Fifa, considerado ilegal.

O Tribunal considerou que, "tendo em conta a gravidade das infrações cometidas, da posição elevada que Platini ocupava no seio das instâncias do futebol e a necessidade de restabelecer a reputação da modalidade e da FIFA, a sanção imposta não é nem excessiva, nem arbitrária".

O Tribunal declarou que, considerando a gravidade da "má conduta", e o alto cargo de Platini nos órgãos de comando do futebol mundial, era necessário restaurar a reputação do esporte. Além disso, a decisão confirmou que a sanção imposta pelos órgãos da Fifa e confirmada pelo TAS (Tribunal Arbitral do Esporte) não eram excessivas ou arbitrárias. A defesa de Platini alegava que o processo não teria respeitado garantias institucionais e processuais ao réu.

A decisão veio por unanimidade e foi definitiva, ou seja: não cabe recurso.

A importância da autorregulação

O esporte está se protegendo. A autorregulação tem papel decisivo nesse processo.

Com os escândalos nas grandes entidades esportivas, como o Fifagate em 2015, a pressão do movimento esportivo e da opinião pública por transparência e responsabilidade nas entidades esportivas aumentou.

Sentindo a pressão, vendo importantes dirigentes denunciados por crimes e entendendo a importância de uma proteção interna, as entidades passa a investir em governança, transparência, profissionalismo e compliance.

Os Estatutos foram reformados. Comitês de Ética ganharam autonomia. Atletas passaram a ter mais representatividade. Ouvidoria independente. Além disso, foram criados regulamentos internos importantes.

O fair play financeiro é um exemplo. O Licenciamento de Clubes da Fifa, outro. Dois regulamentos jurídicos desportivos que buscam dar credibilidade, integridade, transparência desportiva e financeira.

Assim como a FIFA e a Conmebol, a CBF também adotou o Licenciamento de Clubes e esta para entrar em vigor o Fair Play Financeiro da entidade. O CNRD também é uma esperança.

Autorregulação esportiva, vigilância do Ministério Público que passou a denunciar gestão temerária e agora até o Congresso Nacional resolveu ajudar.

Depois de 5 anos estacionado no Senado, o PLS 68/17 - que, além de unificar a legislação esportiva, tipifica o crime de corrupção privada - voltou a avançar no Congresso.

O fato é que esse caminho que o esporte está tomando - inserindo regras que auxiliam na gestão responsável e no combate aos absurdos do negócio - transformará não só a administração esportiva, mas também o próprio direito.

No esporte não há mais espaço para amadores, irresponsáveis e/ou criminosos.

As notícias estão aí. E vem de todos os esportes. Blatter e Platini que o digam.

Nos siga nas redes sociais:@leiemcampo

Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!