Topo

Lei em Campo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Além de regra,Conmebol deve mudar sistema disciplinar no combate ao racismo

Gabriel Coccetrone

18/05/2022 08h55

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na semana passada, a Conmebol anunciou mudanças em seu Código Disciplinar e passou a prever sanções mais pesadas para quem praticar infrações de cunho discriminatório durante as competições promovidas pela entidade sul-americana. A medida é importante e se faz necessária, conforme o Lei em Campo contou anteriormente, porém, especialistas afirmam que Sistema Disciplinar da confederação também precisa ser reformado, uma vez que há pouca transparência e muitas vezes se mostra contestável.

Fernanda Soares, advogada especialista em direito desportivo, abordou o tema em sua coluna no Lei em Campo, e ressalta que "é fundamental poder contar com um sólido sistema de solução de controvérsias desportivas".

"Por tratar-se de um sistema associativo piramidal, a entidade de administração desportiva brasileira, como filiada da entidade de administração desportiva acima, como a FIFA, por exemplo, devem seguir seus preceitos em linha com a normativa internacional. Contudo, no caso da Conmebol e as recentes alterações em seu Código Disciplinar, verifica-se a supressão de determinados direitos fundamentais, como o direito ao duplo grau de jurisdição, que permite, dentro da ampla defesa e do contraditório, se analisado de forma ampla, o direito à revisão da decisão proferida em grau anterior. Verifica-se também a possível ofensa ao devido processo legal, uma vez que a validade e eficácia imediata da decisão que pode ser prolatada sem o respectivo fundamento, pode ensejar em prejuízos incalculáveis", analisa Ana Mizutori, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

"É todo um mercado que depende desse sistema: clubes, atletas, confederações, patrocinadores, torcedores. Um incontável número de pessoas direta e indiretamente afetadas por decisões tomadas pelos órgãos julgadores desportivos. Não há sistema perfeito, mas há muito que pode ser aperfeiçoado no sistema da Conmebol para buscar a garantia do devido processo legal", diz Fernanda Soares.

"A fundamentação de uma decisão é um pressuposto para que as partes envolvidas possam exercer o seu direito de contrapor aquilo que foi objeto da decisão. Ainda que se possa requerer, no prazo de 3 dias, a fundamentação correspondente, a depender do momento em que esta for proferida, não haverá outro caminho senão o cumprimento imediato daquilo que for decidido. E em se tratando de esporte, determinadas decisões podem culminar em sanções cujas consequências tornam-se irreparáveis ao clube apenado. Para tanto, a solução é o caminho do meio. É preciso ponderar a aplicação do direito desportivo, e as normativas interna corporis com direitos fundamentais presentes no ordenamento jurídico pátrio", acrescenta Ana Mizutori.

O advogado especializado em direito desportivo, jornalista e autor dessa coluna Andrei Kampff lembra que "processos de transformação - inclusive no sistema privado jurídico do esporte - também se dão através de irritações. O funcionamento do Tribunal Arbitral do Esporte já foi questionado em tribunais estatais em relação a transparência e independência lá atrás, o que provocou mudanças importantes. Provocar esse debate e gerar reflexões pode ser caminho para deixar o processo mais transparente na Conmebol, respeitando direitos fundamentais, como da ampla defesa e do contraditório".

Por mais que haja inúmeras críticas à Justiça Desportiva brasileira, é inegável que o nosso sistema prevê ferramentas para o contraditório e a ampla defesa, com decisões fundamentadas, recursos, procedimentos públicos, que buscam a garantia do devido processo legal. O mesmo não podemos dizer sobre o Sistema Disciplinar da Conmebol.

Como funciona um julgamento no sistema da Conmebol?

Resumidamente, iniciado o procedimento disciplinar da confederação, comunica-se às partes interessadas para que estas formulem alegações e apresentem provas no prazo determinado no escrito de iniciação do procedimento (o Código Disciplinar não traz qualquer previsão de prazos).

Em posse de tais documentos, o Tribunal formula sua decisão. A deliberação sobre os processos é tomada de portas fechadas e, como regra geral, são tomadas sem que haja sustentação oral.

A própria representação legal das partes pode ser objeto de deliberação da Conmebol; as partes não são livres para contratar representantes legais da forma que bem entenderem.

As deliberações de portas fechadas, com limitação de representação legal e sem defesa oral são gravadas. Entretanto, as partes não têm acesso às gravações. O acesso só é concedido caso uma das partes afirmar que houve descumprimento de alguma norma processual e, mesmo assim, depende da decisão do presidente do órgão julgador.

As deliberações de portas fechadas, com limitação de representação legal, sem defesa oral, cuja gravação as partes não têm acesso podem ser realizadas sem a presença das partes. Além disso, sempre serão realizadas sem a presença do público.

As decisões tomadas por meio das deliberações de portas fechadas, com limitação de representação legal, sem defesa oral, cuja gravação as partes não têm acesso, realizadas sem a presença das partes e do público, não precisam ser fundamentadas.

No Regulamento Disciplinar de 2019, a decisão era disciplinada pelo artigo 54 que previa que "todas as decisões devem ser motivadas. " O atual Código de 2021 não traz mais esta determinação, e mantém a previsão de que o Tribunal de Disciplina ou seu Juiz Único podem emitir decisões sem fundamento as quais serão plenamente exclusivas desde o momento de sua comunicação.

É concedido um prazo de três dias para que as partes interessadas solicitem os fundamentos; transcorrido tal prazo, se não solicitados, a decisão se converte em definitiva.

A solicitação dos fundamentos não afeta o efeito da decisão. Ou seja, uma vez tomada a decisão, esta já produzirá seus efeitos imediatamente.

Isso pode ser problemático quando lidamos, por exemplo, com penas de suspensão de partidas, especialmente em competições com fases eliminatórias (mata-mata), que têm poucos jogos.

As decisões tomadas por meio das deliberações de portas fechadas, com limitação de representação legal, sem defesa oral, cuja gravação as partes não têm acesso, realizadas sem a presença das partes e do público, que não precisam ser fundamentadas, sofrem limitações recursais.

Nem todas as decisões são passíveis de recursos.

Decisões que suspendem um atleta por até três partidas, por exemplo, são irrecorríveis. Isso significa dizer que um atleta suspenso depois das quartas de final da Libertadores ou Sul-Americana estará necessariamente fora da competição, sem possibilidade de recurso.

Mesmo que a decisão possa ser objeto de recurso, tal recurso só será aceito se a decisão estiver fundamentada. Isso quer dizer que se a parte não solicitar a fundamentação da decisão no prazo de 3 dias, perde o direito de recorrer.

A Justiça Desportiva está em constante desenvolvimento, e a transparência bem como a adequação de normas, são fatores preponderantes para esse avanço.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!