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Por que Endrick poderia jogar Mundial e não o Paulista. E o Brasileiro?

Endrick, de 15 anos, é um dos destaques do Palmeiras na Copinha - Palmeiras/Twitter
Endrick, de 15 anos, é um dos destaques do Palmeiras na Copinha Imagem: Palmeiras/Twitter

10/01/2022 04h00

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Por Gabriel Coccetrone

O jovem Endrick, do Palmeiras, tem encantado na Copa São Paulo. E não é de hoje. O jogador de 15 anos tem sido destaque da base do clube paulista desde 2017. Diante de seu talento e com os gols recentes, a torcida tomou as redes sociais para saber por que ele não joga entre os profissionais, apesar da pouca idade. É preciso ter calma! Apesar do grande talento, além das questões técnicas e físicas, algumas questões legais e formais precisam ser cumpridas.

Para um atleta jogar profissionalmente ele precisa ter um contrato formal com um clube (contrato de formação ou profissional); ter esse vínculo reconhecido pela autoridade esportiva (CBF, por exemplo); e, por fim, ser inscrito na competição, a depender de seu regulamento.

O Lei em Campo já explicou que o contrato de formação pode ser assinado entre clube e atleta de acordo com a legislação atual a partir dos 14 anos. Já o primeiro contrato profissional só a partir dos 16 anos.

"No Brasil, por disposição constitucional, o contrato de trabalho só pode ser firmado a partir dos 16 anos. A partir de 14 é possível o contrato de formação. Há o risco de haver um outro clube atravessador para o primeiro contrato profissional e caberia ao Palmeiras, no caso do Endrick, a indenização por formação e o mecanismo de solidariedade", afirma Gustavo Lopes, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

O contrato profissional dá mais garantias jurídicas e econômicas aos clubes que o contrato de formação. Com esse contrato, o time precisa formalizar a relação na entidade esportiva. Feito isso, basta inscrevê-lo na competição. Aí, a resposta sobre se ele vai estar elegível (em condições) para jogar o campeonato vai depender dos regulamentos de cada competição.

"Com o contrato de formação assinado e sem nenhum óbice no ordenamento nacional e internacional vigentes, o menor já poderia atuar no futebol profissional, a depender, é claro, dos Regulamentos das Competições que o clube vai disputar, que podem impor uma idade mínima para a inscrição de um futebolista", explica João Paulo Di Carlo, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Apesar de atualmente estar com 15 anos, Endrick tem contrato de formação válido com o Palmeiras e registrado nas entidades desportivas. Em tese, ele pode jogar profissionalmente. Agora. É preciso analisar o que determina cada regulamento das competições que o clube disputa. Confira:

Paulista

O Regulamento Específico do Campeonato Paulista de 2022, diz no art. 17, § 3º, que somente atletas acima dos 16 anos estarão elegíveis para disputar partidas.

"§ 3º - É vedada a participação de atletas com idade inferior a 16 (dezesseis) anos completos. Para fins deste parágrafo, o atleta estará regular para a disputa da Competição a partir da data de seu aniversário de 16 (dezesseis) anos de idade".

Brasileiro

No Regulamento Geral de Competições da CBF de 2021, o art. 41 definia como idade mínima para participar de competições organizadas pela entidade atletas com 16 anos.

"Art. 41 - É vedado nas partidas das competições profissionais relacionar atletas não profissionais com idade inferior a 16 (dezesseis) anos ou superior a 20 (vinte) anos, habilitando a relação de atletas não profissionais a partir da data de seu aniversário de 16 (dezesseis) anos, ou até a véspera da data de seu aniversário de 21 (vinte e um) anos".

Já o RGC de 2020 tinha idade mínima de 15 anos.

No dia 25 de outubro de 2020 o garoto Ângelo Gabriel fez história. Com 15 anos, 10 meses e 4 dias, o jogador do Santos entrou em campo para enfrentar o Fluminense pelo Brasileiro. O Lei em Campo contou a história na época e explicou como a Lei Pelé e a Fifa garantem que jovens como ele atuem profissionalmente tão cedo.

Ângelo se tornou o segundo jogador mais jovem a disputar uma partida profissionalmente, ficando atrás somente de outro ídolo do Santos. O terceiro maior artilheiro da história do Peixe, o atacante Coutinho, entrou em campo pela primeira vez profissionalmente com 14 anos, 11 meses e seis dias, no dia 17 de maio de 1958.

É importante destacar que o Regulamento Geral de Competições da CBF de 2022 ainda não foi publicado.

Mundial de Clubes

A Fifa trata dessa questão do primeiro contrato no Regulamento Sobre Status e Transferências (RSTP, sigla em inglês). Ele determina que é profissional aquele jogador que tem um contrato escrito de qualquer natureza com o clube e que ganha mais do que gasta para jogar futebol. O art. 19 afirma que jogador menor é aquele que ainda não tem 18 anos completado.

O Regulamento do Mundial de Clubes de 2021, trata sobre a questão da elegibilidade dos atletas em seu art. 22.

"Art. 22.1 - Podrá convocarse a un jugador para participar en el Mundial 2021 siempre que esté debidamente inscrito en su club, conforme a lo estipulado en el Reglamento sobre el Estatuto y la Transferencia de Jugadores de la FIFA y lo establecido en el reglamento de la federación miembro del club. En consecuencia, entre los requisitos que deberá cumplir el jugador para participar en el Mundial 2021 están, entre otros, los siguientes:

a) estar inscrito como jugador aficionado (amateur) o profesional en la federación del club participante durante un periodo de inscripción fijado por su federación o fuera del periodo de inscripción, en caso de que se trate de una excepción incluida en el Reglamento sobre el Estatuto y la Transferencia de Jugadores de la FIFA;

b) cumplir el límite de inscripciones en clubes distintos y el de participación en partidos oficiales con diferentes clubes durante una temporada, tal y como se establece en el Reglamento sobre el Estatuto y la Transferencia de Jugadores de la FIFA;

c) si el jugador está inscrito en su club como profesional, una copia del contrato laboral entre el jugador profesional y el club participante y el cumplimiento de los requisitos con respecto a la duración mínima y máxima".

"O regulamento específico da competição, em seus arts 22, 23 e 24, tem disciplinado quem está elegível para disputar o Mundial. O art. 22 diz que para estar apto para jogar o atleta precisa ser profissional ou não profissional. No Brasil, Endrick não é profissional justamente por ainda não ter completado 16 anos, mas isso não é um impeditivo. O que acontece é que os arts. 23 e 24 citam a necessidade de constar o nome do jogador na lista provisória e definitiva que precisa ser enviada pelo Palmeiras até determinada data. Juridicamente e tecnicamente, o fato do atleta só ter 15 anos e não ter contrato de trabalho desportivo não é um impedimento para que ele dispute a competição", explica Luiz Marcondes, advogado especialista em direito desportivo.

"Muito embora a Lei Pelé estabeleça que o jogador só pode assinar seu primeiro contrato profissional com 16 anos, existe a figura jurídica do contrato de formação, que pode ser celebrado já aos 14 anos. Por sua vez, o RSTJ da FIFA nada dispõe sobre a idade mínima para assinar o contrato profissional, apenas esclarece que o jogador é considerado profissional quando recebe uma quantia superior aos gastos para poder atuar. Nesse sentido, não há nenhum impeditivo no Regulamento do Mundial de Clubes, seja por idade mínima, seja por ser um jogador amador (sem contrato profissional). Portanto, o jovem Endrick poderia atuar pelo Palmeiras no Mundial", acrescenta João Paulo Di Carlo.

Fora da questão jurídica, também podemos dizer que é provável que Endrick não seja inscrito pelo Palmeiras para o Mundial também para evitar o assédio internacional.

"A verdade é que não existe uma proibição para atletas que tenham contrato, mesmo de formação, e tenham mais de 14 anos jogarem profissionalmente. São vários os casos pelo mundo e no Brasil. O que existe é que a autorregulação esportiva (regras internas do esporte) brasileira tem colocado nos regulamentos recentemente o critério de idade mínima de 16 anos. A ideia é proteger clubes que investem na base, uma vez que com essa idade eles já podem celebrar com o atleta um contrato profissional, que traz mais garantias jurídicas e econômicas", diz Andrei Kampff, advogado especializado em direito desportivo, jornalista e autor dessa coluna.

Endrick é natural de Brasília, e nasceu em 2006. Chegou ao Palmeiras em 2017, para atuar no sub-11 do Alviverde. Seu sucesso foi meteórico e não demorou muito para aparecer, se destacando entre os outros jogadores de sua idade. No começo do ano passado, o atacante, então com 14 anos, foi promovido precocemente para o sub-17.

No segundo semestre de 2021, o jovem passou a ganhar oportunidades no time sub-20, apesar da grande diferença de idade para seus colegas de equipe e adversários. Para se ter um pouco da noção de sua ascensão, Endrick participou de três categorias diferentes em um único ano: sub-15, sub-17 e sub-20.

Veja o golaço de Endrick contra o Real Ariquemes na Copinha

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