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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Rugby tem muito a ensinar ao futebol sobre regras que protegem atletas

16/07/2021 10h21

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Por Gabriel Coccetrone

Nesta quarta-feira (16), a World Rugby deu mais um importante passo no tratamento da concussão dentro do esporte. A entidade, que representa o rugby à nível mundial, lançará ainda neste mês um painel de Consultores de Concussão Independentes (ICCs - na sigla em inglês) para fornecer uma opinião especializada sobre o retorno dos jogadores às atividades após sofrerem choques de cabeça.

A medida será implementada inicialmente à nível de teste, e será custeada totalmente pela World Rugby. Os ICCs serão responsáveis por decidir quando o jogador que sofreu concussão estará seguro para retornar à prática do esporte. O histórico de cada atleta será um fator determinante na análise.

A implementação de mais essa medida reforça a importância que o rugby dá para o tema, servindo como ensinamento para o futebol, que ainda precisa avançar muito.

"Os protocolos do rugby estão entre os mais completos e seguros e completos do esporte. Mais do que usar os atletas como simples peças de um tabuleiro, o rugby demonstra que está preocupado com o bem-estar e com a integridade dos atletas. A atitude de colocar a saúde dos atletas em primeiro lugar já ensina muito ao futebol", afirma Vinicius Loureiro, advogado especializado em direito desportivo.

Hermano Pinheiro, fisioterapeuta esportivo PhD, ressalta que um dos motivos para se explicar o atraso do futebol no combate à concussão se deve pelo fato de o "rugby e o futebol americano terem sofrido pressões há mais tempo em relação à necessidade de se abordar adequadamente as concussões no esporte, enquanto o futebol começou a receber recentemente".

"Especialmente quando falamos em lesões na cabeça, o futebol ainda precisa aprender muito. Não apenas com relação às grandes lesões, mas também com relação aos pequenos e cumulativos danos que os atletas sofrem em razão da prática. É preciso esquecer o espetáculo no momento que a vida de uma pessoa está em risco. Muitas vezes um atleta acredita estar bem para voltar a jogar, mas não está. E as entidades de administração devem ser mais rígidas com relação a esse controle", completa Vinicius Loureiro.

De acordo com a World Rugby, as equipes serão obrigadas a buscar uma revisão do ICC nos seguintes cenários:

- Se um jogador tiver uma concussão confirmada e o retorno ao jogo acontecer dentro de 10 dias;

- Jogadores que sofreram concussão nos últimos três meses;

- Jogadores com duas ou mais concussões nos últimos 12 meses; ou

- Se um jogador teve cinco ou mais concussões desde que começou a jogar rugby

"Este compromisso de fornecer e financiar um painel central de Consultores Independentes de Concussão para o jogo profissional lançado hoje é uma iniciativa importante que começa a entregar nosso plano de ação de bem-estar do jogador e reflete nossa missão de promover o cuidado dos jogadores em todos os níveis do jogo, promovendo um processo de retorno ao jogo que projeta os jogadores", disse Alan Gilpin, CEO da World Rugby.

"Envolvendo um especialista independente em concussão como outro nível de avaliação, fornece suporte ao médico sobre quando um jogador está pronto para voltar a jogar. Também dá um nível secundário de avaliação para o jogador antes do retorno", completou.

Atualmente, os protocolos de retorno ao joga após uma concussão no rugby estão alinhados com a opinião de especialistas e são gerenciados de forma individual. O trabalho dos ICCs será baseado na efetividade das regras das duas últimas Copa do Mundo de Rugby masculino.

Nele, quando um jogador sofre concussão, não há um prazo definido para retorno ao jogo, sendo preciso seguir o protocolo de retorno em seis estágios. Apenas quando não há mais sintomas de lesões que o atleta pode retornar à campo. Com essa medida, menos de um terço dos jogadores retornam dentro de sete dias após sofrer um choque de cabeça.

"O protocolo da AFL (Australian Football League) aprovou recentemente também um tempo mínimo de retorno ao esporte de 14 dias. O dobro do recomendado pela CBF e FIFA. Isso é importante porque embora os sintomas tenham desaparecido em 7-10 dias a recuperação fisiológica do cérebro leva mais tempo e o atleta que volta precocemente pode estar voltando com risco maior de novas concussões, de lesões musculoesqueléticas e queda de desempenho esportivo. Há trabalhos que mostram que a recuperação fisiológica ocorreria com 30 dias ou mais. Por isso é complicado falar em tempo mínimo de retorno porque a recuperação é diferente em diferentes casos. Ter um consultor independente para decidir pelo retorno ao esporte é importante", explica Hermano.

"Ele deve se basear não somente na remissão dos sintomas mas principalmente no retorno dos testes funcionais/fisiológicos à linha de base do atleta (os resultados das avaliações realizadas na pré-temporada antes da concussão ter ocorrido)", completa o fisioterapeuta e um estudioso na área da concussão no esporte.

A concussão passou a ser um tema bastante discutido na Inglaterra depois que familiares de ex-jogadores campeões mundiais em 1966, revelarem o diagnóstico de demência em decorrência da prática do futebol, e o Lei em Campo tem alertado há bastante tempo sobre o problema.

O protocolo de concussão foi aprovado pela International Football Association Board (IFAB), órgão regulador das regras do futebol, em dezembro de 2020. Segundo a Fifa, a medida pretende "priorizar o bem-estar dos jogadores" ao evitar duas concussões seguidas dos atletas e reduzir a pressão sobre a comissão técnica no momento da avaliação.

A medida ainda é pouca adotada nos principais campeonatos de futebol do mundo. Das grandes ligas da Europa, apenas a Premier League (Inglaterra) e a Liga NOS (Portugal) resolveram implementar o protocolo nesta temporada. No Mundial de Clubes da Fifa, disputado em fevereiro deste ano, ele também foi colocado em prática.

O protocolo do futebol está muito atrás de outros esportes. Ele não combate o problema da concussão de maneira efetiva. Outros esportes já apresentaram soluções mais comprometidas para o problema. Para isso, é preciso mudar regras. A substituição temporária, para uma melhor avaliação do atleta em choque, foi uma decisão importante. Mas ainda precisa evoluir.

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