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Lei em Campo

OPINIÃO

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Violência contra Ponte é novo e triste capítulo de uma impunidade sem fim

22/06/2021 04h00

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Andrei Kampff

Dessa vez aconteceu em Campinas. Criminosos dentro de um veículo arremessaram bombas e morteiros no gramado do Centro de Treinamento da Ponte Preta, dois dias depois do time perder para o rival Guarani. Mais uma vez o futebol repete práticas condenáveis e criminosas. E a culpa não é apenas de quem praticou os atos, mas também do poder público e dos clubes, que ajudam a alimentar a cultura da impunidade.

O absurdo que tem se repetido no Brasil não escolhe cor de camisa. Centros de treinamentos invadidos por torcedores uniformizados, patrimônio depredado, agressão em aeroportos, atletas constrangidos, ameaças. Clima de medo e insegurança. E o mais grave: nada acontece.

Passar a mão, relevar, tentar encontrar justificativa, são comportamentos que não contribuem em nada para tornar o futebol um ambiente mais saudável. Pelo contrário, cada vez que isso acontece se presta um desserviço para o futebol. A simples aplicação da lei - que existe, repito - já ajudaria a atacar esse problema.

A Lei do esporte, a Lei Pelé, estabelece logo no art 2º, XI o desporto como um direito individual, que tem como base o princípio da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial.

O Estatuto do Torcedor também foi alterado em 2019 e se tornou ainda mais firme no combate à violência. Ele ampliou o prazo de afastamento do criminoso de 3 para 5 anos, conforme o art. 39-A, além de estender sua incidência a atos praticados em datas e locais distintos dos eventos esportivos e instituir novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva de torcidas.

Além disso, claro que sim, também aplicam-se ao torcedor-agressor toda a lista de crimes prevista no nosso ordenamento, como crime de ameaça, de agressão.

O risco sofrido pelos jogadores da Ponte poderia até dar causa a uma ação de rescisão indireta do contrato já que o clube é responsável pela segurança do atleta, mas a própria cultura do futebol dificulta esse caminho.

Sempre importante lembrar que nenhum trabalhador pode ser ameaçado ou agredido em razão do seu ofício profissional. E - como qualquer empregador -, o clube deve prezar pela segurança de seus empregados. Mas a rescisão é sempre uma medida extrema, e os prejudicados seriam as vítimas.

O que fica, ainda, é a sensação de impunidade. Ela faz com que os bandidos uniformizados se sintam estimulados a perpetuar suas condutas tendo certeza de não sofrer punição.

É verdade que além da impunidade, a violência também está ligada a problemas mais profundos. Em 2017, fiz uma série sobre violência no futebol para a a TV Globo e conversei com o sociólogo Mauricio Murad, autor de vários estudos sobre o tema. Ele lembra que o desemprego, o subemprego, a falta de uma educação de qualidade e o abismo social entre classes também alimentam essas condutas. E ele lembra a relação que os clubes têm com as torcidas uniformizadas.

A relação clube-torcida uniformizada é historicamente promíscua em muitos lugares. Ingresso em troca de favor, dinheiro por apoio em eleição. Sem falar que muitos dirigentes sentem medo de líderes dessas torcidas. A relação pode - e deve - existir. Mas ela precisa mudar.

O clube tem que pensar na via preventiva e estimular uma ação saudável com o torcedor, estabelecendo pontes para diálogos. É preciso criar mecanismos de governança que possam passar para a torcida mais transparência, aproximar torcedor e sócio, e criar mais aspectos de controle para dar eficiência à gestão

Clube e poder público também são responsáveis por esse absurdo histórico de agressões e ameaças no futebol. E o caminho para começar a acabar com esse clima de insegurança é quase uma receita de bolo: identificar os culpados, para que eles sejam julgados e condenados de acordo com o rigor da lei. Assim, se reforça o compromisso pelo fim desses atos de violência, como também de devolver uma segurança perdida por essa cultura da impunidade.

O futebol não é mundo paralelo. Nem pode parecer ser.

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