'A imigração está do outro lado do estádio, mas preciso ganhar dinheiro'

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Quantas pessoas a mais estariam nos estádios dos Estados Unidos durante o Mundial de Clubes, não fosse a agressiva política imigratória imposta pelo governo desde que Donald Trump voltou ao poder?
É impossível responder. Mas é um fato. Milhares e milhares de pessoas estão reclusas em suas casas, evitam ir ao trabalho ou eventos esportivos ou dar bobeira na rua, porque a polícia de Trump, conhecida aqui nos EUA pela sigla ICE, anda disfarçada e não para de buscar imigrantes para prender ou deportar. Nesta semana, em Los Angeles, os agentes tentaram entrar em um jogo de baseball do Los Angeles Dodgers e foram impedidos pelo clube - que, aliás, anunciou publicamente o que havia feito. A Califórnia está em guerra contra Trump.
Já estive em três jogos do Mundial no Rose Bowl, que fica em Pasadena, na grande Los Angeles. Em volta do estádio, não é difícil encontrar vendedores ambulantes, principalmente de cachorros quentes e bebidas. Nada muito diferente do que vemos em torno dos estádios no Brasil em dia de jogos ou shows. A fisionomia não deixa margem para dúvidas: 10 em cada 10 ambulantes são de origem latina. Por curiosidade, sempre pergunto a nacionalidade e já bati com mexicanos, hondurenhos e guatemaltecos.
Até ontem, nenhum havia topado conversar comigo sobre o tema da imigração. Até conhecer o Alejandro, um mexicano que chegou aos Estados Unidos 20 anos atrás. "Passei 10 anos com o visto, entrando e saindo, e há 10 anos estou aqui ilegal, sem papéis", conta, com sorriso no rosto, enquanto prepara e vende a 10 dólares mais um hot dog - por aqui, a salsinha vem enrolada em uma fatia de bacon e os "acessórios" são cebola e pimentão, além de maionese, mostarda e ketchup.
Classificação e jogos
Pergunto se ele não tem medo de se deparar com agentes da polícia imigratória e ele dá de ombros. "A Migra está do outro lado do estádio, eu vou ficar por aqui. Sim, claro que a gente tem um pouco de medo e tem que ter muita atenção, mas eu não posso ficar sem trabalhar. Preciso do dinheiro".
Migra é o apelido usado para, em castelhano, se referir ao ICE. "La Migra" é o terror dos estrangeiros que vivem nos EUA hoje, com ou sem documentação, com ou sem antecedentes criminais. "Eles são uma polícia que não te leva com educação, de maneira formal e protocolar. Simplesmente te dão uns sopapos, colocam dentro do carro e você não sabe bem para onde está sendo levado".
Um jovem americano, de origem armênia, mas nascido aqui, com que conversei ontem me contou que os agentes têm entrado em comércios ou restaurantes e vão direto aos "fundos", onde encontram os trabalhadores ilegais. "Estou indignado, não quero mais viver aqui. É horrível o clima que se criou em toda a comunidade", me falou.
Fecha parênteses, voltemos ao Rose Bowl. O que me deixou curioso era como Alejandro sabia que os agentes estavam do outro lado do estádio e ele explicou que hoje existem grupos de Whatsapp em que as pessoas avisam por onde andam os agentes, quando eles são identificados ou estão no meio de alguma ação. Em tempo real, os imigrantes se ajudam para que todos saibam onde ir - ou melhor, onde não ir.
"Quem não arrisca, não ganha. Eu e minha mulher precisamos pagar as contas, a luz, o telefone, se ficarmos dentro de casa não ganharemos nada. São tempos duros, mas estamos nas mãos de Deus. Vamos ver se no Congresso algo muda, o governador da Califórnia nos está ajudando também", falou Alejandro.
Ele se refere a Gavin Newsom, governador Democrata do Estado e que está desafiando as ações de Trump.
"Hot dog, hot dog", fala Alejandro, enquanto sua mulher, ao lado, vende água, refrescos e cervejas para os torcedores de River Plate e Monterrey. No momento em que bater de frente com a polícia de Trump, possivelmente será deportado - depois de 20 anos no país. Enquanto isso não acontece, segue arriscando, vendendo, pagando suas contas e impostos. Levando a vida, como milhões que tentam fazer o mesmo honestamente nos Estados Unidos.
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