Julio Gomes

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Botafogo e Mundial despertam em mim o esquecido patriotismo

Eu acho esse papo de patriotismo uma baita de uma bobagem. Uma palavra usada com frequência por pessoas que têm conceitos de vida e humanidade completamente diferentes dos meus. Para mim, não tem essa de "pátria acima de tudo". Está cheio de gente fazendo barbaridades em nome da "pátria" e assim se conta a história do mundo, uma história de guerras em nome de pátrias e religiões. Mais do que pátrias, gosto de pensar em sociedades, gosto de pensar no todo e como podemos ser melhores para um todo e não fazer qualquer coisa por um suposto todo.

Dito tudo isso e na falta de uma palavra melhor, esse Mundial de Clubes e a vitória do Botafogo sobre o Paris Saint-Germain despertaram em mim esse sentimento que podemos chamar de patriotismo. Orgulho de ser brasileiro.

Arthur, ontem, falou após a partida: "O Brasil é e sempre vai ser o país do futebol". Eu tenho há tempos cada vez mais dúvidas em relação a essa "máxima". Em outros países, assiste-se mais a futebol (ao jogo, não só o próprio time). Proporcionalmente, joga-se mais futebol em outros lugares. Vai-se mais a estádio. Mas, por outro lado, é difícil achar um lugar que a cultura seja tão permeada pelo futebol como no Brasil. E tampouco há povo do mundo tão conectado a um esporte como nós diante do olhar alheio.

O Brasil é mesmo o país do futebol. O que não significa mais que seja o melhor do mundo nisso, que ganhe de qualquer um ou só tenha a ensinar, e não a aprender. A falta de humildade sempre nos marcou em relação a esse tema. Só que as seguidas derrotas e avisos de que não somos mais únicos nos transformou em "vira-latas" novamente, como nos anos 50. Temos dificuldades mesmo de conviver com equilíbrios, somos um povo de extremos. Vamos rapidamente de melhores do mundo a piores do mundo e vice-versa. Poderíamos ser mais comedidos.

Estamos em um momento de resgate. De deixarmos o vira-latismo de lado, e uma vitória como a do Botafogo é um tijolinho nesta construção. Ou nessa reforma de uma casa velha, com história linda, mas caindo aos pedaços. E outros tantos tijolos estão sendo colocados neste Mundial. Não é só a vitória do Botafogo. É a torcida do Palmeiras na Times Square, é o show do Fluminense no campo e também com a torcida fora dele, é a grandeza do Flamengo nas arquibancadas e nas ruas.

Gostei muito do que disse Renato Paiva, o português Renato Paiva, após a vitória do Botafogo. "Menospreza-se o futebol do Brasil e a qualidade do Brasileirão. Só quem está nele sabe. Os jogadores são bons, os treinadores são bons, o calendário é tão difícil que te obriga a ter mil estratégias para gerir grupo e jogos. Não se treina e, assim, não se desenvolve bem os jogadores. Esse é o grande problema. Estou muito feliz pelo Brasil, pelo jogador brasileiro, pelo treinador brasileiro, pelo treinador estrangeiro que trabalha no Brasil, pelo torcedor brasileiro. Hoje é um dia que orgulha muito."

Ele pegou o espírito da reconstrução a que me refiro. E faz parte dela, claro que faz.

Não há país do mundo que faça o que estamos fazendo neste Mundial. Podemos aceitar a presença de River Plate e Boca Juniors na festa, sim, claro que sim, porque a cultura de futebol da Argentina também é para lá de respeitável. Os seis clubes sul-americanos que estão aqui são os únicos que estariam fazendo essa festa linda e enchendo estádios, fosse o Mundial da Fifa onde fosse, em qualquer canto do mundo.

Enquanto isso, os europeus, com suas ligas caras e clubes capazes de contratar talento, estão assumindo uma postura totalmente blasé no torneio. Não vieram torcedores, a mídia de cada país só vê problemas e fala de calor e disso e daquilo. Os clubes não estão exatamente boicotando o torneio, mas claramente estão jogando por jogar, sem dar a máxima atenção, sem uma preparação totalmente voltada para fazer o que tiver de ser feito. Quando a bola rola, todo mundo quer ganhar, mas tenho muitas dúvidas sobre a importância institucional que está sendo dada por cada clube da Uefa.

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Ainda é capaz que algum europeu ganhe o torneio, porque tem mais material humano, porque o orgulho pode falar mais alto em algum momento do mata-mata. Mas vai se desenhando um Mundial em que teremos, sim, sul-americanos em quartas de final, de repente semifinal ou final. Algo que parecia impossível e vamos vendo que não é.

Se os europeus querem continuar poupando em jogos errados, falando do calor e que estejam cansadinhos do fim de temporada - sendo que já faz quase mês inteiro que a maioria encerrou a temporada -, azar deles. A soberba me irrita, O show no Mundial é nosso. Aqui nos Estados Unidos, nosso moral está sendo resgatado, assim como foi em 1994. Posso estar exagerando. Mas, hoje, me sinto integrante de um país que é do futebol de verdade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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