Julio Gomes

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Maluco ou exemplo? Garotão pró-Trump desafia manifestantes: 'Quero debate'

Dezenas de milhares de pessoas protestaram contra o governo de Donald Trump na cidade de Seattle, sábado. As manifestações "No Kings", que apontam tendências absolutistas e totalitárias do atual mandatário americano, tomaram as ruas de várias cidades. No condado onde está Seattle, Trump teve só 22% dos votos nas eleições do ano passado - ele nunca foi exatamente querido em uma cidade progressista. Tudo transcorreu em paz, sem vandalismo, intercorrências ou qualquer tipo de violência policial. Mas havia uma pessoa lá parada, no meio dos manifestantes, que não estava na mesma "vibe".

Dawson, 19 anos, nasceu e cresceu no Texas. Veio com a família para Seattle de férias. E posicionou-se ao pé da Space Needle, o monumento símbolo de Seattle, uma torre futurista de 184 metros de altura. Era ali que acabava a marcha de protestantes.

Conheci Dawson porque, enquanto eu passava fazendo filmagens com o celular, ele cutucou meu ombro. "Do you wanna debate?". Você quer debater? Eu? Por que eu iria querer debater? Mas fiquei curioso, depois do pequeno susto. Perguntei de que lado ele estava. E ele disse com orgulho e voz firme: "Sou pró-Trump e pró-ICE e estou procurando alguém para um debate de ideias".

ICE é a sigla, em inglês, da Polícia de Imigração, que se transformou no verdadeiro terror dos estrangeiros, legais ou ilegais, que vivem nos Estados Unidos. Nos protestos pelo país, é o segundo alvo mais atacado nas plaquinhas que as pessoas costumam levar para externar seus pontos de vista - o primeiro colocado, claro, é Trump.

Minha primeira reação foi dar uma boa risada. "Sério mesmo? Por que você não coloca uma plaquinha também, dizendo que ;e pró-Trump e quer debater?", perguntei. Aí foi a vez de ele soltar uma gargalhada. "Boa ideia, farei isso na próxima vez. Ou uma plaquinha ou um boné". Bem, o resumo da história é que Dawson não conseguiu debater com absolutamente ninguém.

"Só recebi 'nãos'. De quem usa máscara, de quem não usa, de quem carregava mensagens, de quem não. Alguns me deram desculpinhas, alguns falaram não de cara. Não consegui interagir", lamentou. "Eu apoio os protestos pacíficos no meu país, mas, se eles se tornam violentos, essas pessoas precisam ser detidas e presas. Espero que os protestos se mantenham pacíficos, mas infelizmente eu consigo enxergar muitos distúrbios, principalmente à noite, quando fica mais fácil para as pessoas com essas intenções".

Enquanto Dawson gravava a entrevista para o UOL, a mãe, orgulhosa, filmava o filho. Diz que ele se interessa por política desde criancinha, "desde os tempos em que (Barack) Obama roubava nosso dinheiro".

"Nós não podemos virar a Inglaterra, onde as pessoas são proibidas de dar opinião e estão sendo presas nas ruas somente por rezar. Você está sabendo que a Suécia está expulsando todos os muçulmanos?" - as palavras são dela. O filho apenas concordava com a cabeça - mas é preciso dizer que, apesar da pouca idade, Dawson conversava com mais tranquilidade sobre os variados temas e ouvia o que era dito pelo interlocutor, ao contrário da mãe.

No fim, quem esticou a conversa com o garoto fui eu mesmo. Por curiosidade pessoal e interesse jornalístico, queria saber qual era a linha de pensamento do garoto. Infelizmente, não escutei nada diferente do que já estamos acostumados a ouvir nos últimos anos. "A mídia é toda vendida, ensinam socialismo nas escolas e a criminalidade está conectada à imigração". Eu tentei contraargumentar: "Veja, Dawson, a criminalidade, seja aqui ou em outros países que não têm muitos imigrantes, geralmente está conectada à pobreza, não à origem". Ele concordou. Apenas não mudou de opinião.

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"Sou a favor da deportação de imigrantes ilegais. Quem estiver aqui legalmente, ótimo, é bem-vindo aos Estados Unidos. Quem estiver ilegal, tem que sair. Não é justo, por exemplo, com quem está na fila esperando pelo processo correto."

A apenas dois passos, três jovens empunhavam bandeiras vermelhas com a foice e o martelo. Uma cena que, confesso, nunca achei que veria nos Estados Unidos. Na camisa de um deles, lia-se "Comunistas Revolucionários da América". Eram também olimpicamente ignorados pelas pessoas que caminhavam e participavam dos protestos anti-Trump.

Entre as mensagens que eram levantadas em sinais, geralmente feitos com cartolina ou papelão, vi toda a sorte de exigências. "Deportem o ICE". "Não aos ditadores". "Quero serviço de saúde público". "Taxem os ricos". "Todos somos imigrantes". Enfim, em uma cidade em que quatro a cada cinco pessoas sequer queriam Trump no poder, não seria difícil juntar tanta gente com a mesma indignação.

Quando acabarem as férias de Dawson, ele voltará ao Texas, onde muito mais gente pensa como ele e a mãe.

Confesso que achei interessante a experiência. Não deixa de ser uma demonstração de que o espírito democrático ainda respira nos Estados Unidos. Em outros lugares, talvez Dawson não pudesse exercer tranquilamente e sem qualquer tipo de ameaça seu ponto de vista. "Gostei muito de conversar com você, era esse tipo de debate que eu estava procurando", disse ele. "Quando você puder, viaje algumas vezes para fora dos Estados Unidos, conheça outras culturas, pontos de vista e realidades que fazem as pessoas quererem sair de onde vivem", disse eu. E assim nos despedimos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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