Imbroglio e política podem inviabilizar SAF e decretar falência da Lusa

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O CEO da SAF da Portuguesa, Alex Bourgeois, saiu na sexta-feira à tarde de uma reunião na Federação Paulista de Futebol com uma péssima notícia: o Jurídico da FPF não permitiu que fosse concluída a formalização da SAF perante o órgão competente. A razão é ao mesmo tempo simples e complicada. Na Ata da Assembleia de sócios, último passo para a aprovação da SAF, há uma frase que encerra o documento e que praticamente anula - ou, no mínimo, deixa pendurada - a decisão tomada pelos associados.
O que pode acontecer? Se o imbróglio que será explicado a seguir não for resolvido rapidamente, os investidores dizem que deixarão o projeto e processarão a Portuguesa. Como o clube entrou em recuperação judicial e logicamente não terá condições de negociar suas dívidas - que somam R$ 550 milhões -, será decretada pela Justiça a falência. Ou seja, o fim.
Diz assim o último parágrafo da Ata da reunião do último mês de novembro, redigido por Marcos Lico, presidente da Assembleia e filho do ex-presidente do clube Ilídio Lico - mandatário à época de rebaixamentos seguidos na década passada. "A proposta da Tauá/Revee/XP, com as ressalvas do COF (Conselho de Orientação Fiscal) e devidamente aprovado por unanimidade no Conselho Deliberativo, nesta assembleia (...) foi aprovada, portanto encaminho ao COF, para analisar a proposta final, verificando se foram atendidas as ressalvas constantes do parecer do COF (...) para ser homologado pela Assembleia Geral".
Resumindo o juridiquês. Apesar de a Assembleia ter aprovado a transformação em SAF, o presidente da mesma decidiu, por conta própria e, na visão de muitos, desrespeitando o estatuto do clube, que o resultado só seria homologado (por ele mesmo) caso as tais ressalvas do COF fossem aceitas pelos investidores. "Consultei vários advogados e decidi acrescentar isso à Ata para resguardar a Portuguesa. Sim, foi uma decisão minha", falou Lico a esta coluna.
Para entender melhor, é necessário voltar alguns meses do tempo. É fato que a transformação da Lusa em SAF foi feita às pressas, com pouco cuidado até, devido às urgências do clube - que sequer teria jogadores para colocar em campo no Campeonato Paulista - e também para que não fosse desperdiçada a oportunidade única de evitar que o clube simplesmente fechasse as portas. Todos sabiam que o contrato seria leonino e que haveria riscos para a Portuguesa, mas o risco maior - e bastante iminente - era simplesmente acabar.
O COF é presidido por José Gonçalves Ribeiro, que segundo os que conhecem os bastidores do clube, nunca escondeu sua oposição ao projeto - e é aliado de Marcos Lico. O COF não tem função deliberativa, somente consultiva, portanto o que saísse dali poderia ser considerado ou absolutamente ignorado. O COF contratou o escritório de Sergio Rodrigues, que viabilizou a SAF do Cruzeiro, para apresentar um parecer sobre a proposta. Daí, saíram 14 ressalvas feitas pelo comitê. Algumas delas foram tratadas na reunião do Conselho Deliberativo, em novembro, que determinou a aprovação da SAF. Posteriormente, a diretoria da Portuguesa apresentou um documento em que respondia e apresentava as soluções para 6 destas ressalvas mais "espinhosas" - segundo o clube, as outras ressalvas já haviam sido aceitas ou aclaradas pelos investidores.
O problema é que da Ata de aprovação do Conselho Deliberativo, da reunião comandada pelo então presidente em exercício, Carlos Eduardo Pinto Ramos, saiu uma decisão que dá margem para interpretações. Assim foi dito pelo ex-presidente Amilcar Casado, segundo o documento:
"Todos entenderam que na reunião de hoje, a gente vai votar entre o parecer do COF ou a rejeição da proposta feita pelos investidores. É isso que nós viemos fazer aqui. Portanto, quem votar 'não' vai votar por rejeitar essa proposta que envolve vender 80% da SAF, que será constituída pela Portuguesa, e que levará toda a atividade de futebol, profissional e de base, masculino e feminino, para dentro da SAF, com os respectivos licenciamentos necessários. Todo mundo entendeu que, ao aprovar ou rejeitar, vai tratar do patrimônio da Portuguesa, que, ao aprovando, será cedido por 50 anos para exploração do direito de superfície (...) E todo mundo entendeu que, para tudo isso parar em pé, a Associação Portuguesa de Desportos vai ter que entrar com uma ação de recuperação judicial, visando a possibilidade de equacionar as suas dívidas. Hoje, vota-se pelo 'não' e rejeita-se tudo isso que eu acabei de falar, ou vota-se pelo 'sim' mas com as condições impostas no parecer do COF."
O que se seguiu foi uma aprovação por aclamação entre os conselheiros presentes.
Porém, foi deixada a margem para a interpretação de quem considera que as tais ressalvas do COF eram condicionantes da aprovação da SAF. Interpretação que não é compartilhada pelos investidores e pelo Jurídico do clube, que entendem que as ressalvas foram feitas, explicadas, respondidas (algumas atendidas e outras, não) e que as aprovações feitas por Conselho e, depois, Assembleia, não teriam ficado reféns de uma aprovação por parte do COF - que, repito, é um conselho apenas consultivo.
"As ressalvas não foram atendidas", disse a esta coluna o presidente do COF, José Gonçalvez Ribeiro. "O Conselho aprovou o parecer do COF, e teriam de fazer alteração das 14 sugestões. O contrato (com a SAF) não deveria ter sido assinado. Eles querem imputar para o COF uma responsabilização que não é do COF. O Conselho Deliberativo tinha o poder de aprovar sem essas alterações que nós pedimos, mas não o fez. É muito fácil (para os investidores) dizer agora que 'alteraram o que foi possível".
Para que a votação da Assembleia seja, portanto, homologada por Marcos Lico, seria necessário o OK por parte do COF, presidido por Ribeiro. E aí mora o impasse. A "dobradinha" de dirigentes, ambos desafetos do atual presidente do clube, Antônio Carlos Castanheira, não parece disposta a mudar qualquer coisa para que o problema seja destravado.
"O COF deu o parecer, o Conselho Deliberou e Assembleia decidiram. Caberia à diretoria apresentar nova solicitação aos órgãos, o que ela não fez. O COF não tem o que validar agora, porque (as ressalvas) não foram objetos de discussão e não foram atendidas na integridade. Nós estamos abertos. Ninguém quer prejudicar a Portuguesa", fala José Gonçalves.
"Os senhores Marcos Lico e José Gonçalves estão fazendo de tudo para bloquear o processo", afirma Alex Bourgeois, o CEO da Lusa SAF. "Nós não podemos continuar colocando dinheiro sem ter a posse, e a Federação Paulista não nos permite registrar a SAF sem que isso seja resolvido. Se não for resolvido, vamos pular fora. E se a gente sair, como a associação está em recuperação judicial, a consequência será a falência da Portuguesa", avisa Bourgeois. "O senhor José Gonçalves está brincando de política."
Há três principais pontos de divergência entre as tais ressalvas do COF e o ponto de vista dos investidores.
O COF quer que o 1% de ganhos da futura arena fique para a Portuguesa, e não para o futebol (SAF). Não aceita que o clube, detentor de 20% de propriedade da SAF, possa ter esse percentual diminuído até o mínimo de 10% no futuro, em função dos resultados financeiros da operação. E também quer que a SAF se comprometa a pagar além dos 550 milhões em dívidas caso, no futuro, apareçam mais dívidas do clube.
"Como é possível que o presidente do Conselho Fiscal, que aprova os balanços, não saiba qual a dívida do clube e queira garantias para dívidas que possam aparecer?", questiona o CEO da SAF. "A recuperação judicial já está em curso, o valor é de 548 milhões e alguma coisa. Os credores já foram notificados, nós já vamos iniciar as negociações. Como a Portuguesa vai fazer para pagar isso?".
"Eu considerava que todos os pontos levantados pelo COF deveriam ser atendidos. Hoje, já não acho mais, porque não podemos perder a SAF", fala Marcos Lico, presidente da Assembleia. Mas, ao mesmo tempo em que adotou para a coluna um discurso de ser favorável à SAF, disse que não irá retificar a Ata da Assembleia para que não haja a necessidade de homologação do resultado em função de aprovação do COF.
Tanto o presidente da Assembleia quanto do COF argumentam que podem ser processados na esfera cível e terem seus patrimônios ameaçados caso "permitam" a oficialização final dos resultados sem que as tais ressalvas sejam atendidas - o que é contestado pelo Jurídico do clube. Afinal, se o COF não é deliberativo, como pode ser responsabilizado?
Há, segundo a diretoria da Portuguesa, dois caminhos simples para o impasse ser desfeito. 1) O COF aprovar o contrato da SAF, aceitando que algumas ressalvas não serão atendidas integralmente, e dar a luz verde para a homologação da Assembleia; ou 2) o presidente da Assembleia retificar a última frase, em que exige a aprovação do COF para homologar a votação. Uma tentativa de aclarar os temas no mês passado acabou em xingamentos e uma reunião infrutífera entre Castanheira e os dirigentes desafetos.
Mais uma vez, as picuinhas e a política interna do clube parecem ser a principal barreira para a Portuguesa conseguir avançar para algum lugar no futuro.
Marcos Lico acrescenta a possibilidade de mais dois caminhos. Que o presidente Castanheira provoque o Conselho Deliberativo para que haja uma nova reunião de aprovação da SAF, ignorando as ressalvas exigidas pelo COF. Ou que a própria Assembleia seja provocada para uma nova votação.
O problema, claro, é que a Portuguesa segue correndo contra o tempo. Dentro de pouco mais de um mês, começa a Série D. Se no Paulista o time montado pela SAF conseguiu sem grandes problemas se livrar do rebaixamento e flertou com possibilidade de classificação para as quartas de final, na Série D o desafio será ainda maior. E o time precisa de reforços com urgência. Uma urgência que a velha política do clube parece desconhecer.
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