Julio Gomes

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Futebol brasileiro precisa da volta de Neymar; a seleção brasileira, não

Neymar está de volta. Estreia no Santos nesta quarta à noite, contra o Botafogo, que é o pior time do Campeonato Paulista. Se bobear, já mete uns dois golzinhos.

Todo mundo quer ver a volta de Neymar. E certamente ela será muito benéfica para o Santos, que vive um momento difícil de sua história. Uma encruzilhada. No futebol das SAFs, da "privatização" dos clubes, não há mais espaço para amadorismo e má gestão. O Santos precisa escolher a dedo quem vai comprar e gerir o clube nas próximas décadas. Essa escolha está obviamente conectada a Neymar Jr, Neymar pai, um suposto dinheiro árabe e uma tentativa de quem está no poder seguir no poder, mas de outro modo. Em troca, o torcedor verá Neymar no campo.

Para quem está de olho no curto prazo, não há debate sobre o caminho a ser trilhado. Para quem está de olho no longo prazo, o debate é bom - e necessário.

Mas o fato é que Neymar vai arrebentar já amanhã e este debate será turvado pelo tamanho do jogador que ele é. Sim, a volta de Neymar pode ser comparada com as de Romário, em 1995, quando estava no auge (quanto tempo durou o auge de Romário?), e de Ronaldo, em 2009. Este sim, completamente fora de forma, parecia um ex-atleta em atividade após tantas lesões e falta de treinos. Ainda assim, arrebentou.

Neymar está fora de forma há algum tempo, muitos anos, também foi mal tratado por lesões, mas nem se compara a Ronaldo. Só que o futebol brasileiro de hoje também não se pode comparar ao de 2009. Aquele era o nosso fundo do poço técnico e tático. Hoje, as coisas estão melhores aqui. Vai ser mais difícil para Neymar jogar hoje no Brasil do que foi para Ronaldo e do que foi para ele mesmo em 2010, 2011 e 2012. Ainda assim, ele fará a diferença.

Eu gostava muito mais do Neymar com a camisa 11, jogando da esquerda para dentro, finalizando e fazendo gols, do que a mudança tática que ele quis protagonizar a partir de 2017, quando cometeu o sacrilégio de trocar o Barcelona pelo PSG. Virou um meio-campista, passou a assinar todas as jogadas, ficar mais longe do gol e apanhar para caramba. Sim, as lesões são também culpa disso. A melhor Copa de Neymar foi a de 2014, a pior, a de 2018 e a de 2022 já foi a de um jogador em declínio, não em ascensão.

E aí chegamos à seleção brasileira.

Ronaldo, para seguir na comparação, fez um mal danado à seleção de 2006. Era o momento de outros jogadores, e Ronaldo, já (muito) acima do peso representou uma péssima influência para o grupo. Não à toa, era chamado de presidente. Muitos jogadores que participaram daquele processo não conseguem enxergar até hoje o erro cometido por Parreira ao levá-lo para aquele Mundial - que o Brasil deveria ter vencido com o pé nas costas, pois tinha basicamente o melhor jogador de cada posição no mundo.

É justamente essa influência negativa fora de campo, acho até que involuntária, que Neymar exerce hoje. Ele é gente boa, como era Ronaldo, é um cara do bem, não é alguém que vai bater boca com treinador ou coisa do tipo. Mas é um cara que respeita apenas a própria agenda, e foi ensinado assim, a olhar somente para o próprio umbigo. A mudança para o PSG e a mudança dentro de campo mostram bem isso. Na verdade, quem tinha razão era René Simões, que foi profético lá em 2009. Criou-se um monstro. Neymar não é contrariado, não é impedido de fazer o que quer, é uma celebridade, muito mais do que um atleta. Não está preocupado em melhorar quem está em volta dele, absorver todos os detalhes que o jogo exige, fazer uma imersão no esporte em si e ser exemplo para quem está vindo atrás. E isso não encaixa com o futebol de hoje em dia e com o espírito de um esporte coletivo. Não acho que faça por mal. Apenas é.

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Para o Santos, na situação atual, chegar a partir do treino de helicóptero, não ir a um clássico em dia de chuva para apoiar o time no vestiário, jogar quando quer ou quando não quiser, essas coisas não importam.

Para a seleção brasileira, porém, não deveria sequer caber discussão. Muitos dizem que, sem Neymar, a seleção só foi ladeira abaixo. Falta contexto, sobra oportunismo.

O melhor Neymar deveria ter ido à Copa do Mundo de 2010, e talvez aquele grupo, que era experiente, batalhador e vitorioso, tivesse tido uma influência muito importante na formação de caráter e espírito coletivo de um garoto de 18 anos. Este é um erro imperdoável de Dunga.

O melhor Neymar foi importante para o Brasil ganhar a Copa das Confederações de 2013, em um momento de afirmação a um ano da Copa. O melhor Neymar, jogando pela esquerda, fez uma belíssima Copa de 2014. E o melhor Neymar ganhou a medalha de ouro olímpica inédita no Maracanã. E a criação do monstro nunca foi exatamente barrada. Junto com o sucesso, têm de vir a humildade, a consciência física e coletiva. Quem fez esse serviço? Quem ousou desafiar papai?

Ontem, ouvi o grande Maurício Noriega falar na Radio Transamérica que certos comportamentos que não são considerados legais pela geração dele (e minha), hoje são tolerados e até admirados pelas gerações atuais, a de Neymar e as seguintes. Erradas estão as novas gerações. A falta de valores e respeito a hierarquias e experiências é um problema do mundo atual, não uma solução.

As seleções de 2018 e 2022 não tinham um craque chamado Neymar. Elas, na verdade, orbitavam em torno de Neymar. Dos desejos e demandas do "staff", das regalias, mimos, a tal agenda. O que gerou, tal qual em 2006 com Ronaldo, uma espécie de transferência de responsabilidade. Deixem lá para o rapaz decidir tudo. Se ele não está vendo vídeos, assistindo a jogos e mais jogos no quarto dele, treinando mais do que todo mundo, por que eu vou fazer isso?

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A seleção principal do Brasil só ganhou uma Copa América na "era Neymar", justamente a que não teve sua presença. E isso não é coincidência. Sem ele, a transferência de responsabilidades é distribuída, o jogo coletivo ganha força. Sim, também sem ele, neste último ano e meio, o Brasil não teve momentos de plenitude. Pelo contrário. Foram jogos ruins, resultados ruins. É oportunismo falar só do ano passado, sem citar os 10 anteriores.

Não é fácil reconstruir a seleção brasileira. Não há um craque geracional e, pela maneira como estão sendo formados jogadores no Brasil e como o futebol está se desenvolvendo no mundo, dificilmente voltaremos a ter. Não há mais 180 seleções perebas no planeta, então todo jogo é difícil e é bem capaz que as próximas Copas sejam vencidas por uma seleção aleatória, a que melhor encaixar naquele curto mês. A presença de Neymar na seleção brasileira certamente aumentaria as chances de vitória em um jogo ou dois. Mas, no "big picture", ela diminui a chance de sucesso coletivo, enfraquece o espírito e gera muitas distrações.

Para a seleção brasileira, eu não contaria mais com Neymar desde o fim da Copa de 2022 e fico realmente muito espantado como tanta gente não enxerga o óbvio. Que o "pacote" atrapalha tanto que não compensa a ajuda pontual em campo.

Para o futebol brasileiro, no entanto, a volta de Neymar é importantíssima. Vai melhorar o nível do Santos, dos jogos, trazer mais gente interessada e mostrar o que pode e o que não pode mais fazer na frente de todo mundo.

Opinião

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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