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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cuca pode ter dado passo atrás definitivo na corrida pela seleção

Cuca, técnico do Atlético-MG, contra o Internacional pelo Brasileirão - RICARDO RIMOLI/UAI FOTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Cuca, técnico do Atlético-MG, contra o Internacional pelo Brasileirão Imagem: RICARDO RIMOLI/UAI FOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

12/08/2022 04h00

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Já escrevi aqui no UOL algumas vezes sobre as decisões de Cuca na carreira. É um técnico competente, vencedor e que entende que o primeiro semestre não vale para nada no futebol brasileiro, só serve para gerar estresse e demissões. Portanto, pega trabalhos pensando na hora mais importante do ano. Ainda assim, não deu para entender bem por que Cuca deixou o Galo e não deu para entender bem por que a diretoria do clube demorou tanto para resgatá-lo ou tentar resgatá-lo.

Talvez ele achasse que, não trabalhando, teria uma chance grande de ser lembrado assim que a Copa do Qatar acabasse. Ficaria menos exposto a erros e críticas. Se ele fez esse cálculo, talvez estivesse certo. Mas acabou voltando e agora acontece exatamente o que ele poderia ter temido - quebra-se o encanto.

Eu achava que Cuca poderia dar jeito no Galo-2022. Não deu. O ano do Atlético acabou, sejamos francos. É um time caríssimo, montado para disputar tudo e que em agosto já não tem mais chance de conquistar qualquer um dos três títulos grandes da temporada. Faz quase um mês que não ganha um jogo. Resta fazer um bom Brasileiro para acabar lá em segundo ou terceiro. Será que isso bastaria para um treinador ser alçado à seleção? Difícil.

Desde que pegou o Atlético, Cuca levou duas sapatadas e empatou duas com o Palmeiras (de seu grande algoz, Abel Ferreira). Na primeira, vencia por 2 a 0 e dominava. Quando Abel fez ajustes, Cuca não sou contragolpeá-los. Levou o 2 a 2. Na segunda partida, jogou com um homem a mais desde os 28min e não foi ousado em busca da vitória. O Atlético só teve chances quando ficou com dois a mais, nos acréscimos. Conformou-se com os pênaltis e se deu mal.

Pior do que a atuação do treinador à beira do campo foi a tentativa de explicar. "Às vezes é mais difícil 11 contra 10 do que 11 contra 11", justificou Cuca. Na sala ao lado, Abel explicava como havia ficado fácil para o Palmeiras se defender, já que o Galo colocava seus jogadores em volta do bloco defensivo do Palmeiras, não dentro. Não acho que Abel tenha tido a intenção de humilhar Cuca ou coisa do tipo, estava apenas dando explicações e compartilhando a leitura de jogo. Mas que ficou chato, ficou. Para Cuca.

Acho que Cuca funciona bem no ambiente do futebol brasileiro, mas é fato que falta algum repertório. Quando se é campeão de tudo, os defeitos passam batidos. Quando é preciso por o dedo e se está diante de gente de outro nível, o buraco fica evidente. Se tivesse ficado em casa, possivelmente Cuca chegaria a dezembro como número um da linha sucessória de Tite, mas agora até Dorival Jr (sem emprego até outro dia) está na frente. A coisa é dinâmica.

Para ser técnico da seleção, Cuca tem outra barreira. Nos anos 80, ele e mais três companheiros de Grêmio foram acusados e condenados por estupro de uma menor de idade, na Suíça. Em uma época de machismo puro, democracia e imprensa jovens, tratou-se do caso de maneira lamentável - como se os rapazes fossem as vítimas. Eu compreendo que, quase três décadas depois, possa ser difícil até se lembrar de como as coisas se desenvolveram naquele quarto de hotel.

Não sou favorável à condenação sumária e eterna. Tampouco me sinto bem com o pano sendo passado e fingirmos que a história não existiu. A história existiu e, em respeito à verdadeira vítima e a todas as mulheres, que viveram ou vivem coisas assim diariamente, é necessário falar sobre o tema. Cuca não pode ser técnico da seleção passando por cima deste assunto. Se precisar de dicas, basta ler a coluna de minha colega Milly Lacombe.

Infelizmente, o caso será uma barreira menor ou maior dependendo do momento profissional do técnico e da maior ou menor aceitação do público ao nome de Cuca. No fim do ano passado, menos vozes seriam levantadas contra o nome de Cuca devido ao esqueleto no armário. Hoje, mais vozes. Triste, mas real.

Se tivesse ficado em casa, Cuca possivelmente se manteria na ponta da linha sucessória ou talvez ficasse atrás somente de um Abel Ferreira da vida (que nem sabemos se quer ser técnico da seleção brasileira um dia). Mas agora, exposto, o plano seleção ficou absurdamente comprometido.

Seriam necessárias duas reviravoltas em três meses. A técnica, com o Galo. E a pessoal, falando mais abertamente e cumprindo a auto penitência pelo que aconteceu na Suíça. Ambas improváveis.

Tal qual aconteceu com Muricy (por escolha própria), Renato Gaúcho e mesmo Jorge Jesus, parece que bonde da seleção já passou por Cuca. Ele ainda está correndo atrás, mas é improvável que consiga subir.