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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A Portuguesa está de volta. O pulso ainda pulsa no Canindé

Jogadores da Portuguesa comemoram retorno à Série A1 do Paulistão - Julio Gomes/UOL
Jogadores da Portuguesa comemoram retorno à Série A1 do Paulistão Imagem: Julio Gomes/UOL

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O Canindé não vivia o que viveu no último sábado desde dezembro de 1998. Naquela ocasião, a Portuguesa jogou duas vezes contra o Cruzeiro, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro. Ganhou a primeira, perdeu a segunda, o Cruzeiro foi para a final. Havia mais de 25 mil torcedores em ambos os jogos, é basicamente o que cabe no estádio Doutor Oswaldo Teixeira Duarte.

Ontem, contra outro time azul, o pequeno Rio Claro, em outra semifinal, a da Série A2 do Paulista, o Canindé voltou a ter capacidade máxima. Como as numeradas estão em reforma, não cabia ninguém mais do que os 13 mil que compareceram. 23 anos e meio separam uma ocasião da outra. Uma geração inteira. O glamour é outro. A importância, a mesma.

Como assim??

Bem, tudo depende de como se encara o futebol. O futebol é ter ou ser? É ganhar ou sentir? O futebol se resume a tua galeria de troféus ou às relações humanas que ele proporciona?

O "desaparecimento" da Portuguesa não é culpa de ninguém, só dela mesma. As chances de levantar o clube financeiramente nos anos 90 viraram edifícios e padarias, depois teve a gestão caótica do início do século (quando vem o primeiro rebaixamento no Brasileiro, em 2002), que gerou as dívidas que sufocam até hoje, e, claro, o tapetão de 2013 - nunca conheceremos os culpados, mas é plausível reconhecer que alguém comprou, mas alguém (bem lá dentro) vendeu.

Há muitas pessoas em comum nestes três momentos. Elas nunca serão responsabilizadas pelo sofrimento de uma torcida que já passou do ponto de se preocupar se o time vai ganhar ou não. A preocupação dos últimos 10 anos é se o clube vai continuar existindo ou não.

Mas o que me espantou demais neste tempo todo é como o status quo do futebol brasileiro se acostumou com a quase "extinção" de um clube que era, indiscutivelmente, um dos 15 principais do país ao longo do século passado - o século de ouro do esporte aqui, diga-se. Ninguém nem se lembraria da existência da Lusa, não fossem uns malucos que, quer queira quer não, estão na mídia. Meu irmão Flavio, Jorge Nicola, a voz importante de Luiz Nascimento no grupo Globo, Edu Affonso e Ubiratan Leal, com o escudo da Lusa por dois anos pandêmicos aparecendo na tela dos canais ESPN. E há outros.

Torcer pela Lusa virou uma coisa quase exótica. Para quem vê de fora. Para quem está dentro é um pesadelo que não acaba.

Muitos torcedores consideram-se os mais sofridos do mundo porque o rival ganhou alguma coisa importante. Ou porque seu time está na fila há X anos. Ou porque a lista de troféus do vizinho é maior. Poucos têm ideia do que é não ter time para torcer. Do que é ver desmoronar algo que fazia parte da própria vida.

O estádio é um ponto de encontro de famílias. De amigos. É quase um divã para muitos, o local de soltar os demônios, xingar, extravasar, chorar, curtir, gritar. Melhor fazer isso no estádio do que no trânsito ou em casa, não é mesmo? De repente, uma parte importante da vida foi simplesmente tirada. Como se um parente tivesse morrido. Ou pior ainda: estivesse em coma profundo por anos e anos e anos.

No sábado, 13 mil pessoas na arquibancada e um punhado de jogadores e profissionais do futebol em campo mostraram que o pulso ainda pulsa.

Chorei muito, como há muito não fazia. Por que subiu? Por que não perdeu do Rio Claro? Por que sonho em ser campeão paulista um dia? Não, nada disso. Chorei porque levei meus três filhos no estádio, do mesmo jeito que meu irmão me levava. Eu sinceramente não sabia mais se seria capaz de fazer isso. Se haveria ocasião para eles viverem um pouquinho do que eu vivi.

Lembrei de quando era pequenininho, corria por aquele cimento, me escondia embaixo da bandeira quando chovia, andava de um lado ao outro do campo para ficar mais perto de onde a Lusa estava atacando, e depois me lembrei dos amigos com quem ia ao estádio na adolescência, da namorada que fiz torcer pela Lusa e que agora é minha esposa e estava lá, ao meu lado, como sempre.

Torcer pela Portuguesa nunca foi "ter". Torcer pela Portuguesa sempre teve de ser uma questão de "ser". E, em uma sociedade em que ter é mais importante do que ser, e no futebol ainda mais, apenas "ser" parece muito pouco para muitos. Parece tudo para mim.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O primeiro rebaixamento da Portuguesa no Campeonato Brasileiro foi em 2002, não em 2001. A informação foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL