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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Futebol não é jogado só no campo, e Abel contribui muito com o Brasil

Abel Ferreira comanda o Palmeiras na final do Mundial de Clubes contra o Chelsea - Giuseppe CACACE / AFP
Abel Ferreira comanda o Palmeiras na final do Mundial de Clubes contra o Chelsea Imagem: Giuseppe CACACE / AFP

13/02/2022 14h01

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Li a coluna do amigo Mauro Cezar Pereira, aqui neste UOL Esporte, sobre Abel Ferreira. Concordo discordando, discordo concordando. E acho o tema Abel Ferreira fascinante, como quase tudo no futebol quando estamos dispostos a debatê-lo sem cegueira e com peito aberto.

O futebol é um esporte de mais de um século, que naturalmente se desenvolveu em vários aspectos. Já vimos de tudo. Jeitos diferentes de ganhar, com mais talento, com mais tática, com mais força, com sorte, com coragem, com esperteza e por aí vai. Realmente, o jeito de Abel buscar vitórias não é novidade.

Mas eu não acho que seja necessário vir para cá um técnico que goste de futebol mais ofensivo para "trazer algo" para o futebol brasileiro. Basta ver na TV. Hoje, é possível ver tudo, acompanhar tudo, conhecer o trabalho de todos. Não é necessário ter Guardiola no Brasileirão para que outros treinadores se inspirem no trabalho dele. Nesse sentido, nem Abel Ferreira nem Jorge Jesus nem ninguém trazem alguma coisa para nós.

Treinadores não têm essa responsabilidade. Eles são pagos para ganhar jogos, fazer seus jogadores melhores, ajudar os clubes onde trabalham. Inspirar? Bem, essas coisas são consequências, não a razão para serem contratados. Além de gostar ou não gostar de um tipo de jogo ser algo bem subjetivo.

Aliás, Mauro Cezar sempre me ensinou que há várias maneiras de se vencer um jogo de futebol. Há beleza no futebol defensivo, em times inferiores encontrarem maneiras de ganhar dos superiores.

No que discordamos, pois? Discordamos pois eu acho que Abel Ferreira está melhorando muita coisa em torno dele, para além do ganhar e perder. Está claro que o time do Palmeiras joga com um nível de concentração que é pouco usual para equipes sul-americanas. Além disso, Abel manda mensagens importantes ao não virar refém da molecada que subiu da base para ganhar tudo de cara no profissional.

Vocês se lembram da famosa frase de René Simões sobre Neymar? "Estamos criando um monstro". René referia-se a algo muito maior do que Neymar. A sociedade brasileira costuma dar carta branca para quem tem talento, poder, dinheiro. Alguns podem tudo. E ninguém deveria poder tudo. Ninguém. Muito menos jovens que não sabem quase nada sobre o mundo e saem sem escala de uma infância dura para uma juventude de dinheiro e deslumbre.

Ao barrar alguns dos meninos da disputa do Mundial, ao lidar com eles de forma profissional, Abel Ferreira está fazendo a parte dele para evitar a criação de monstros, não é mesmo? Só por isso, já faz mais do que a maioria de treinadores e dirigentes que vemos aqui no Brasil.

O tão badalado Jorge Jesus é muito mais semelhante às velhas figuras do futebol brasileiro do que Abel. Sim, Jesus gosta de seus times jogando de forma mais arriscada e ofensiva. Isso não faz dele menos egocêntrico, por exemplo. Sim, é verdade que o Flamengo de 2019 jogava um futebol muito mais agradável de ver do que o Palmeiras da atualidade. Para o meu gosto.

Agora, gostar ou não gostar da bola, ganhar com imposição ou reação, os instrumentos usados dentro de um jogo de futebol, tudo isso é questão de estilo.

Guardiola ou Mourinho? Essa discussão tomou conta do futebol mundial por uma década. E não há resposta certa. Jorge Jesus, na boa, não está nem perto de ser um Guardiola - ainda que tenha tido algum efeito de inspiração aqui em nosso capenga e mal tratado ambiente futebolístico. Já Abel é alguém muito, muito, muito próximo a Mourinho.

E não estou falando só de estilo de jogo ou modos de ganhar, e sim na meticulosidade, no uso da ciência e de grandes equipes técnicas para vencer no futebol. E também no jeito agressivo em alguns momentos, o uso das entrevistas coletivas para mandar recados, o "ganhar a qualquer custo".

Guardiola pode ser muito mais inspirador do que Mourinho no aspecto futebolístico. Mas Mourinho foi fundamental para inspirar profissionais do futebol a mudarem seus métodos de trabalho, aquilo que não vemos acontecer nos CTs da vida. Mou, cá entre nós, aposentou um monte de técnico inglês "old style". Ou, pelo menos, aposentou seus métodos antiquados. E talvez haja algum efeito do tipo aqui.

Eu não quero que o futebol brasileiro se renove só dentro de campo. Gostaria, essencialmente, que se renovasse fora dele. Com um novo jeito de trabalhar, fundamentado mais no coletivo e em equipes de trabalho do que no personalismo, nos feitos passados e no empirismo. Abel é muito mais importante que Jesus nesse aspecto, apenas para ficar na comparação entre os dois. Mas a junção dos dois, um mais pelo estilo, o outro pelo modus operandis - e ambos pelos resultados obtidos -, têm participação na evolução do jogo em nosso país.

Eu não contrataria nenhum deles para a seleção brasileira. Mas também não seria absurdo algum se isso acontecesse.

O futebol do Palmeiras não vai fazer nenhuma criança se apaixonar pelo futebol. Não, Abel não contribui muito mesmo nesse sentido. Mas tem contribuído muito com a mudança de mentalidade e de métodos dentro do mundo dele - o Palmeiras. Espero que isso, de alguma forma, se transforme em legado. Seria muito bom para o esporte no Brasil.