Topo

Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Gomes: O sangue de Raphinha e a lição à boleirada brasileira

Raphinha é levantado por Otamendi após lance de cotovelada em Argentina x Brasil pelas Eliminatórias - ANDRES LARROVERE/AFP
Raphinha é levantado por Otamendi após lance de cotovelada em Argentina x Brasil pelas Eliminatórias Imagem: ANDRES LARROVERE/AFP

16/11/2021 22h12

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Primeiro tempo de Argentina x Brasil. Jogo duro, pegado, com entradas ríspidas, intimidação e o Brasil mais bem postado em campo do que a seleção da casa. Depois de um lançamento primoroso de Marquinhos, Raphinha recebe pela direita, passa por Acuña, é travado por Otamendi, segue na disputa e leva uma cotovelada desleal do zagueiro do Benfica.

Lance claro de cartão vermelho. E na cara do bandeira, que resolveu se eximir. O árbitro uruguaio Andrés Cunha não vê, o VAR não chama. Inaceitável e inexplicável, já que Raphinha tinha a boca sangrando (muito) e o juiz tinha de desconfiar de que algo diferente havia ocorrido ali. Não foi um lance involuntário, de proteção com o uso do braço e, sim, um cotovelaço.

Se fosse no Brasileirão, o que teria acontecido? E se fosse algum outro jogador da seleção brasileira envolvido na jogada? Vamos lá, algumas opções: cidadão ia levantar, empurrar o Otamendi, ia virar aquela confusão no campo; opção 2: cidadão ia ficar caído lá no chão até agora. O que fez Raphinha? Nada.

Foi levantado de forma absurda por Otamendi (que só por essa atitude já mereceria amarelo, ou seja, era vermelho e amarelo no mesmo lance, um recorde), mostrou o sangue para o juiz e teve uma "atitude de jogador da Premier League". Sem mimimi, sem rola-rola no chão.

Não é uma questão de ser bobo. Não é uma questão de se deixar intimidar pelo adversário. É uma questão de respeito pelo jogo e pela arbitragem. É uma questão de postura. Quem tem que decidir o destino de Otamendi não é ele.

Elogiei a atitude de Raphinha na minha conta no Twitter e percebo que há uma divisão de opiniões. Quem discorda de mim argumenta que é "inocência" não ficar caído no chão. Se tivesse feito (o que se faz sempre aqui no Brasil), haveria tempo de o VAR ver a imagem por mais ângulos e, talvez, chamar o árbitro de campo. Um leitor opinou que "a cultura cretina se dá quando o cara quer ser malandro, ganhar tempo, fazer cera, simular... Numa cotovelada como essa tem que ficar no chão e chamar a atenção do VAR".

Oras, e quem decide isso? Quem decide em que lance é "necessário" cair e chamar a atenção da arbitragem?

Logicamente, caímos no "cada cabeça, uma sentença". E aí cada jogador faz o que quer, achando que está fazendo o que tem que fazer. E segue a cultura nociva e insuportável de jogo que temos por aqui. Em que jogadores se sentem no direito de intimidar, ludibriar, enganar, influenciar, questionar cada decisão dos árbitros. A arbitragem é amadora e ruim no Brasil, mas a cultura de campo, de treinadores e jogadores, não ajuda nada, nada, nada.

Talvez uma confusão generalizada tivesse mesmo acabado na expulsão de Otamendi. E talvez de outros. E certamente o jogo teria sido arruinado.

A partida continuou dura. Mas, no meio da tensão, teve o rolinho maravilhoso de Di María em Vinícius Jr. E o troco de Vini, com a carretilha espetacular para cima de Molina. E podemos analisar o que foi o jogo, sem que tenhamos de ficar presos às decisões de arbitragens.

Raphinha deu um exemplo a seus colegas de time e a todos os jogadores de futebol do país. Mais preocupação com o jogo, menos teatro e tentativas de ludibriar ou influenciar quem já tem que tomar um monte de decisões difíceis em campo.

O sangue de Raphinha não é de barata. O sangue de Raphinha é de um jogador profissional de futebol. É o sangue de quem respeita o esporte. Parabéns para ele. Esse tipo de atitude vale muito mais do que um gol.