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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Julio Gomes: Roger e Diniz, os detestados

Fernando Diniz à beira do Defensores del Chaco pelo Santos, diante do Libertad-PAR - Staff Images / CONMEBOL
Fernando Diniz à beira do Defensores del Chaco pelo Santos, diante do Libertad-PAR Imagem: Staff Images / CONMEBOL

20/08/2021 04h00

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O domínio absurdo do futebol brasileiro nas competições sul-americanas só não foi completo porque Fluminense e Santos acabaram sendo eliminados na quinta-feira.

A madrugada foi de malhação a Roger, que, até o momento em que eu escrevo o texto, ainda não havia sido demitido. Mas sabemos como a banda toca, é questão de tempo. E malhação a Fernando Diniz, para não perder o costume.

Por que Roger e Diniz são, hoje, de longe, mas de muito longe mesmo, os dois técnicos mais criticados e detestados do Brasil?

A resposta simples: porque são perdedores. Não acredito em respostas simples para a maior parte das perguntas que tratam de relações humanas.

Primeiro porque ser vencedor ou perdedor é algo muito, muito, muito discutível. Segundo porque, pelo parâmetro "títulos conquistados" está cheio de perdedores que não apanham nem a metade do que estes dois apanham.

O caso de Diniz eu já abordei aqui no passado. É incrível pensar que tinha gente torcendo contra o Santos ontem (e o Santos é o clube grande com menos rejeição no Brasil), contra um inexpressivo time paraguaio, só para ter mais uma "prova" de que Diniz é "fraco", "perdedor", etc.

Acho que Diniz desafia o status quo e o sentimento de muitos torcedores ao colocar filosofia e um modo de ver futebol à frente de resultados. Ninguém quer ganhar mais que ele. É óbvio que o resultado importa. Mas nossa cultura é a de olhar só para os fins, nunca para os meios. E Diniz desafia essa cultura com seu discurso e modo de trabalhar.

Roger também incomoda. Que história é essa de um negro vir a público com esse ar professoral e essa maneira de falar sobre o jogo que soa "arrogante" aos ouvidos toscos? Sim, Roger é um negro orgulhoso, fala abertamente disso, trabalha fora do futebol para incentivar e financiar, por exemplo, livros de autores negros e indígenas.

Recentemente, citei como o racismo poderia ser um fator para tantas críticas caírem sobre Roger. Alguns torcedores do Fluminense se sentiram ofendidos. Basta ler o texto para perceber que não falo nem do Flu nem de sua torcida. Falo de forma generalizada sobre como muitos, sejam torcedores de vários clubes ou gente da mídia, batem em Roger de forma mais virulenta do que batem em outros. E acho que o racismo impregnado em nossa sociedade influencia, sim.

Mas vejam. Não é que qualquer crítica a Roger tenha cunho racista. Dizer isso seria leviano. É lícito criticar Roger. É fato, por exemplo, que o Fluminense caiu, caiu e só caiu de produção nos últimos dois meses. É fato que em outros clubes o trabalho de Roger também foi de mais a menos.

Diniz e Roger não têm o estofo que outros têm. Não têm os títulos que outros têm, e títulos acabam gerando respeito e um pouco mais de estabilidade para técnicos no Brasil. Eles são vítimas fáceis de jornalistas, torcedores e dirigentes.

Mas também precisam se ajudar, é óbvio. Alguém escreveu no Twitter que falta a Roger a ousadia de Diniz, que falta a Diniz a consistência de Roger. Acho que há duas palavras melhores. Falta a Roger a coragem de Diniz para, em alguns momentos, tentar quebrar ciclos que claramente estão se deteriorando. Coragem para arriscar, pensar fora da caixa. E a Diniz creio que possa faltar o equilíbrio que Roger demonstra ter, um cara que não altera a postura, o tom de voz. O equilíbrio para atravessar momentos conturbados.

Os times de Roger e Diniz jogam de formas completamente diferentes. Os jogadores gostam dos caras, tentam jogar por eles, mas algo impede que um passo maior seja dado. Pode ser apenas questão de tempo, são profissionais em construção. Que erram, claro que erram. Mas que ainda podem dar vários passos adianta em suas carreiras e que claramente precisam de mais tempo para trabalhar do que o futebol brasileiro gosta de dar.

O que faz com que esses dois incomodem tanta gente são muito mais seus acertos do que seus erros. Vai além do futebol.