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Julio Gomes

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Itália é favorita contra a Espanha; seleções invertem papéis 13 anos depois

A geração que quer devolver a Itália ao topo -
A geração que quer devolver a Itália ao topo

06/07/2021 06h14

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Quando a Espanha conseguiu passar pela Itália, nos pênaltis, nas quartas de final da Eurocopa-2008, a sensação era de história sendo reescrita. Eu estava no estádio, em Viena, e a festa dos jogadores no vestiário foi maior até do que após a conquista do título, dias depois.

Porque a Espanha era uma espécie de freguesa eterna da Itália. Em amistosos, podemos encontrar algum equilíbrio, mas o fato é que a Espanha tinha um de bloqueio com a Itália e também com fases de quartas de final, de uma forma geral. Ali, aquela nova geração, capitaneada por Xavi, mas com muitos talentos a ponto ou já explodindo no futebol europeu, passou a escrever a história de uma Espanha vencedora.

No século passado, a Espanha nunca havia vencido um jogo de competição oficial contra a Itália. Neste século, as coisas mudaram. Dos sete jogos oficiais, duas vitórias espanholas (uma delas por humilhantes 4 a 0 na final da Euro-2012), quatro empates (dois deles acabaram em vitórias da Espanha nos pênaltis) e só uma derrota.

Esta vitória única da Itália veio justamente na última Eurocopa, em 2016, 2 a 0 pelas oitavas de final. Foi uma zebra. É verdade que a Espanha já vinha mal nos anos anteriores, tanto que a eliminação da Euro culminou na saída de Del Bosque. Aquele resultado tinha muito mais a ver com um fim de ciclo espanhol do que início de ciclo italiano.

Daquela Espanha de 2016, sobraram Alba, Busquets e o contestado Morata (Azpilicueta, Koke e Thiago eram parte do elenco, mas no banco). Já daquela Itália sobraram só os zagueiros, Bonucci e Chiellini. Era um time com problemas sérios no ataque, que tinha Éder, este mesmo do São Paulo, como titular. Insigne e Immobile já faziam parte do grupo, mas não tinham minutos.

Nas eliminatórias para a Copa de 2018, as duas seleções estiveram no mesmo grupo. A Espanha venceu em Madri por 3 a 0, de forma inapelável, jogando a Itália para a repescagem, onde seria eliminada pela Suécia e ficaria fora do Mundial. Aí, sim, começou a renovação azzurra.

Com Mancini no comando técnico, a Itália passou a apostar em jovens talentos e, mais do que isso, deu um bico na tradição do calcio e passou a jogar bola. A gostar da bola, a adotar uma postura de protagonismo e ofensividade, a jogar o jogo como ele vem sendo jogado - e como a Espanha fazia havia tanto tempo.

Assim como depois da enésima decepção, na Copa de 2006, a Espanha mudou de atitude, o mesmo aconteceu com a Itália neste ciclo. O time que entra em campo hoje, em Wembley, tem solidez e tem idade para muito mais. Para trazer a Itália de volta, de forma consistente, não esporádica. E tem também um brasileiro no meio de campo, Jorginho, campeão da Europa com o Chelsea e dono de uma enorme tranquilidade para fazer o jogo fluir.

Assim como sabíamos, em 2008, que ali estava surgindo uma Espanha forte para bastante tempo (e a história confirmou isso), agora em 2021 vemos uma Itália que promete coisas grandes.

A história muda não só por causa de Mancini. Conte e Sarri foram indiretamente importantes no processo, e a própria Série A, muito mais heterogênea, também faz parte do que estamos vendo. Uma "velha" Itália continua se defendendo com firmeza, o DNA do calcio representado em seus defensores. Mas a "nova" Itália tem meio campistas de qualidade, laterais que sobem, pontas que gostam de jogar bola e participar da criação, do futebol associativo, não apenas de contra ataques.

É verdade que a lesão de Spinazzola, um dos jogadores de destaque da Euro, pode atrapalhar. Mas a chave do jogo de hoje está no meio de campo, na batalha pela bola e pela saída da pressão exercida pela rival. Essencialmente, porém, a chave estará na cabeça.

Em 2008, uma Itália campeã do mundo entrou em campo com uma vantagem mental tremenda contra uma Espanha com os bloqueios já citados. Marcos Senna nos contou recentemente, no podcast Futebol Sem Fronteiras, que em algum momento daquela partida teve que dar um grito de atenção ao time todo, que parecia estar sucumbindo psicologicamente.

A Espanha foi muito superior à Itália naquele dia, em Viena, mas o zero não saía do placar e passava a entrar o medo de mais um desastre. No fim, vieram os pênaltis, a classificação e a alma lavada.

Agora, a situação é inversa. É a Espanha que, apesar de ter uma seleção jovem e instável, adquiriu a mentalidade vencedora. E é a Itália que precisa superar a barreira e provar que esta geração veio para ganhar, para fazer grandes coisas, e não só para ter uma longa invencibilidade quebrada justamente na hora H - são 32 jogos e quase três anos sem perder, com 13 vitórias consecutivas.

A Itália, por tudo o que vem fazendo e o que tem em mãos, é a favorita hoje, no meu ponto de vista. Tem mais bola que a Espanha, tem um jogo mais completo. Mas do outro lado há uma seleção talentosa, que ganhou confiança e ritmo nas últimas duas semanas e que não tem mais medo dos italianos, como tinham as gerações anteriores.

Uma Itália sem medo será sempre uma Itália vencedora. É a hora de provar o valor.