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Julio Gomes

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Atalanta, a anti-Juve, tenta coroar projeto com título da Copa da Itália

Gian Piero Gasperini, técnico da Atalanta - Reprodução/Instagram
Gian Piero Gasperini, técnico da Atalanta Imagem: Reprodução/Instagram

19/05/2021 04h00

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Quando os times entrarem em campo hoje à tarde, para a final da Copa da Itália, haverá uma camisa detentora de 68 títulos ao longo da história. A outra, de apenas 1. É claro que nesta conta não entram conquistas em divisões inferiores.

O abismo que separa a Juventus da Atalanta na história é difícil de ser medido. Mas o futebol é um jogo. Um jogo de 90 minutos. Um jogo em que tudo pode acontecer.

A Atalanta de Bérgamo, fundada em 1907, passou quase a vida toda caindo, subindo, lutando para não cair, lutando para subir. Um daqueles clubes pequenos, de uma cidade pequena, que existem dignamente, até porque não podem existir somente clubes grandes e vencedores, e que importam mesmo só para seus torcedores e população local.

Desde a criação da Série A, a Atalanta só havia ficado uma vez entre as cinco primeiras colocadas (quinta em 1948) e três vezes na sexta posição. Nunca havia chegado à competição máxima europeia - e só havia jogado outros torneios continentais quatro vezes. Foi campeã da Copa da Itália uma vez, em 1963, e vice em duas oportunidades.

Mas tudo mudou em 2016. A chegada de Gian Piero Gasperini, cinco anos atrás, alterou a história do clube. Ele não era um técnico novo e promissor. Já tinha 58 anos e passado por clubes da Série A, inclusive a Inter - durou cinco jogos, com nenhuma vitória, em 2011, mas recebeu imediatamente após a humilhante demissão um convite de Guardiola para passar uns dias em Barcelona.

Após bons trabalhos no Genoa, Gasperini era apenas conhecido na Itália por ser um técnico adepto de sistemas com três zagueiros (que, por sinal, hoje todo mundo tem usado).

Em Bérgamo, ele encontrou um clube que havia começado a trabalhar bem o futebol de base, com olheiros de primeira mundo afora e nomes históricos do futebol italiano envolvidos com o futebol de formação. Havia um projeto ali. Era preciso coragem. E ele teve. Foi a união da fome com a vontade de comer. O casamento perfeito. Um técnico que precisava de espaço e material para colocar ideias em prática, um clube que havia construído um bom centro para jovens, mas não conseguia deixar de ser refém de veteranos e da eterna briga pelos 40 pontos (para não cair).

"Eu sempre digo a meus jogadores. Nós nunca perdemos. Ou ganhamos ou aprendemos", disse Gasperini em uma entrevista recente ao jornal inglês "The Guardian". Com frases de efeito, muita conversa, muito treino e pensando fora da caixa, Gasperini elevou o status da Atalanta.

"Jogadores que não trabalham duro me assustam. Eu treino como eu jogo. Quem não corre no treino, não corre no jogo".

Foi quarto na Série A em 2017 (desempenho inédito), sétimo em 2018, terceiro em 2019 (inédito), terceiro de novo em 2020 e, agora, pode ser vice-campeão. Levou a Atalanta a duas Champions League (quartas de final na primeira participação, deixando escapar a vitória sobre o PSG no finalzinho, e oitavas de final neste ano, caindo para o Real Madrid) - já está garantido na próxima. Chegou à final da Copa da Itália em 2019 e, hoje, pode vencê-la.

O título seria a grande coroação de um trabalho que, sem fundos de investimento do Catar ou Abu Dhabi, sem mídia, sem estar em um grande centro, sem estrelas, é o melhor do continente - se colocado em contexto. Se somarmos os gols marcados das últimas três temporadas das grandes ligas europeias, a Atalanta vai aparecer em terceiro lugar, atrás só de Manchester City e Bayern de Munique, logo à frente do PSG. Alucinante, não é verdade?

De um lado, a Juventus, eneacampeã italiana (até perder o trono para a Inter), foi atrás de Cristiano Ronaldo e tenta criar uma Superliga para não ter que jogar mais com as Atalantas da vida.

Do outro, um clube pequeno, que vive o melhor momento de sua história, que encanta, que perde jogadores, mas repõe com o que pode. Que, em um levantamento recente, apareceu na oitava colocação entre os clubes que mais formaram jogadores presentes nas cinco maiores ligas europeias.

Com um técnico que implementou um sistema de jogo de abertura de espaços que está sendo copiado mundo afora. Uma pequena família. A família Gasperini. Que pode ganhar hoje seu maior prêmio.