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Julio Gomes

Técnicos de Inter e Flamengo proporcionam 'noite europeia' no Brasileirão

Eduardo Coudet, técnico do Inter, e Domenec Torrent, técnico do Flamengo - Pedro H. Tesch/AGIF
Eduardo Coudet, técnico do Inter, e Domenec Torrent, técnico do Flamengo Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

25/10/2020 20h14

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Vamos imaginar que estes mesmos times de Internacional e Flamengo, as mesmíssimas escalações, jogando sem os treinadores que têm. O que vocês acham que aconteceria? Na minha modesta opinião, seria um jogo como qualquer outro do Campeonato Brasileiro. Mas os que gostamos do jogo bem jogado, os que "denunciamos" aqui o atraso que envolve o futebol brasileiro, tivemos um domingo de glória.

Inter e Flamengo fizeram um senhor jogo de futebol. O resultado importa? Sim, claro que importa. Essencialmente para os torcedores e, claro, para os profissionais envolvidos. O empate por 2 a 2 acaba deixando os dois na liderança, um gosto amargo para o Inter, pelo gol sofrido aos 50min do segundo tempo, e um gosto de vitória para o Flamengo.

Eu não tenho compromisso com Inter, Flamengo ou com a tabela. Meu compromisso é com você, que me lê. Tentar informar, analisar e agregar alguma coisinha.

A análise simplista do jogo ficará nos erros defensivos individuais. Afinal, os gols foram quase todos verdadeiros presentes (bem aproveitados, diga-se). No primeiro, Isla perde a bola para Patrick, que constrói o gol de Abel. No empate, Zé Gabriel erra no bote e dá o campo todo para Pedro. No terceiro, é Gustavo Henrique quem tem o passe interceptado por Galhardo.

A análise complexa vai mostrar muito mais coisas.

São dois times que gostam de jogar bola e imprimem intensidade em campo. O que muitos não percebem é que o que mais define o desenvolvimento de um jogo de futebol hoje em dia é a pressão exercida pelo time que não tem a bola. É uma pressão alta? Baixa? Pressão total no portador da bola? Ou marcação sobre quem pode receber o passe? Ou tentando cortar as linhas de passe?

O Inter foi muito intenso no primeiro tempo com uma pressão alta, buscando cortar as linhas de passe do Flamengo - e aproveitando o fato de Gérson ter jogado aberto pela esquerda e não no meio. Marcos Guilherme tinha uma missão (e cumpriu): não deixar Filipe Luís participar da construção do jogo. O Flamengo que se virasse com os zagueiros, Arão e Thiago Maia. Não conseguiu.

Nenhum técnico, em sã consciência, pede para seus jogadores forçarem passes de extremo risco na saída de bola. Isso é uma fantasia criada e disseminada por quem, na verdade, gosta mesmo é do jogo de "chutão". Ou, como alguns deles dizem, "bola quebrada na direção do atacante".

Às vezes sinto que é disso que o brasileiro gosta. Será que nosso DNA sofreu mesmo uma mutação? Por que a reação é tão brutal aos técnicos estrangeiros ou a Fernando Diniz ou a qualquer outro quando sai um gol no erro de saída de bola?

O jogo de futebol é tático e estratégico, mas os duelos pessoas e as decisões tomadas em campo acabam mandando. Isla errou. Gustavo Henrique errou. Não foi o Dome que mandou eles não darem chutão pro mata em hipóteses alguma. Não caiam nessa armadilha.

O duelo tático foi vencido por Coudet no primeiro tempo. E os acertos e erros individuais construíram o resultado desta vitória parcial.

No segundo tempo, Dome encontrou a solução. Trouxe Gérson para o meio, abriu Vitinho pela esquerda, desafogou a saída de bola e o time melhorou. Coudet, do outro lado, entendeu que seu time não poderia mais exercer a mesma pressão alta. Resolveu jogar de outra forma, marcar mais atrás e apostar nos contra ataques.

O Inter teve chances para ampliar duas vezes com Patrick, que fez um jogo enorme e foi, na minha opinião, o melhor em campo. O Flamengo teve também bola no travessão (com Filipe Luís) e rondou a área do adversário, teve várias ocasiões que poderiam ter acabado em empate.

No fim, aos 50min, teve o seu prêmio. O problema de marcar lá atrás é que você atrai o adversário para perto demais. O Flamengo tem ótimos jogadores, sempre alguém pode acertar um cruzamento, como Gérson acertou, e um cabeceio, como Éverton Ribeiro acertou.

Uma vez mais: a tática define o desenho do jogo. Mas, logo, é individualmente que ele é resolvido. O Inter ganhou muitas disputas individuais, jogou com foco o tempo todo e, por isso, quase conseguiu o resultado.

O Flamengo teve apenas quatro jogadores daquele supertime de Jorge Jesus como titulares: Filipe Luís, Gérson, William Arão e Éverton Ribeiro. Vejam o tamanho da mudança. Ainda assim, fez um jogo competitivo e de igual para igual com um dos melhores adversários do campeonato.

É claro que o Inter vai brigar por tudo. Por Brasileiro, Libertadores e Copa do Brasil, apesar do elenco curto. Porque tem um técnico que joga junto e que conseguiu conquistar coração e cabeça de seus jogadores. Coudet não é obcecado por uma forma exclusiva de jogar futebol, mas é nítido que tem, sim, a obsessão pela pressão defensiva, seja no campo de ataque, seja no campo de defesa. Ninguém vai ganhar fácil do Inter.

O Flamengo, para mim, segue sendo o favorito a ganhar o campeonato. Se o Inter estivesse sem seis titulares, por exemplo, teria muito mais problemas para manter o nível. Na maratona, o elenco importa.

Os torcedores dos dois times estarão com os nervos à flor da pele. Acalmem-se. Vamos, por um minuto, curtir o que aconteceu. Uma tarde de Europa em pleno Brasileirão. Gracias, Dome. Gracias, Coudet.