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Julio Gomes

Luxa acertou ao barrar Figo; cornetada fala muito dos mimados galácticos

Roberto Carlos, Luis Figo e Ronaldo durante treino do Real Madrid em 2003 - AP Photo/Eugene Hoshiko
Roberto Carlos, Luis Figo e Ronaldo durante treino do Real Madrid em 2003 Imagem: AP Photo/Eugene Hoshiko

11/08/2020 07h00

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Luis Figo tem uma boa imagem na Europa - arranhada apenas, talvez, em Barcelona, clube que deixou para defender o Real Madrid no ano 2000. Chegou a pensar em candidatura à presidência da Fifa, até. Por que perder tempo, em uma postagem de Rivaldo no Instagram, para cornetar... Vanderlei Luxemburgo?

Os caras estão em planetas diferentes. Luxa pode até renascer para a carreira no Brasil, mas não terá mais espaço na Europa. Já Figo se envereda por caminhos da cartolagem europeia. A mensagem apenas mostra que a mágoa foi realmente grande, que a ferida ficou aberta. E mostra como eram mimados os tais "galácticos" daquele Real Madrid de 15 anos atrás.

O conflito Luxemburgo x Figo tem data. Eu estava lá, cobria o Real Madrid diariamente para a Band e acompanhei de perto. Luxa cometeu alguns erros naquele ano de 2005, mas tomou uma decisão difícil, que nem foi tão contestada assim, e mostrou que tinha razão. Já falo dela.

Vamos voltar um pouquinho no tempo? O treinador chega ao Real no auge profissional, como campeão brasileiro pelo Santos, e pega um clube em crise e 13 pontos atrás do Barcelona na tabela. Por que em crise? Justamente porque a política de contratações, o "Zidanes y Pavones" de Florentino Pérez, que até hoje é presidente do Real, não dava certo.

"Zidanes", a busca de contratações dos melhores e mais midiáticos do mundo. Começa com Figo, o primeiro galáctico. Depois chegam Zidane, Ronaldo, Owen e Beckham. E "Pavones", em referência a Francisco Pavón, um zagueiro que vinha da base - e era bem fraco, por sinal. Era a política de mesclar estrelas consagradas e jovens da base. Não rolou.

Era um vestiário mimado, em que ninguém podia ser contrariado e em que as mãos de dirigentes e funcionários do clube eram constantemente passadas na cabeça dos jogadores. Não havia química nem equilíbrio. Não havia interesse algum dos galácticos, sejam os novos contratados ou os que adquiriram tal status (Raúl, Roberto Carlos) em ficar ajudando no desenvolvimento de novos jogadores. Era cada um pensando no seu (bolso, ensaio fotográfico, comercial e por aí vai).

A tarefa de Luxa não seria fácil de qualquer maneira.

Acho que ele errou em algumas decisões técnicas e no relacionamento interno, as entranhas do clube. O Zidane técnico, hoje, mostra como é importante conhecer os corredores do Real Madrid, as pessoas que estão lá há gerações trabalhando no clube. Não é só prancheta e tática. Luxa e seu staff chegaram com o pé na porta e isso não deu certo.

Ainda assim, também bancado por gente como Roberto Carlos, Luxemburgo conseguiu fazer um bom trabalho inicialmente, com altos e baixos. Por um lado, foi eliminado da Champions (pela Juventus), por outro havia diminuído a desvantagem para o Barça no campeonato de 13 a 9 pontos - não seria campeão, mas o que importava era mostrar serviço. E, em abril de 2005, chegou a hora do superclássico.

O Barça já era o virtual campeão. E o time do Real não queria nada como nada. Aquele clássico importava essencialmente para uma pessoa: Luxemburgo.

E ele fez a mudança que tinha que fazer. Para que o time fosse mais agressivo, colocou Owen, que ficava no banco, até pelas tantas lesões, no ataque. Dava para tirar Ronaldo do time para a entrada de Owen? Não, o brasileiro era um de seus caras no elenco, ainda que já na fase decadente e desinteressada. Dava para tirar Raúl? Nunca. Isso sim geraria polêmica, ainda que esse já fosse outro pé cansado na época. Dava para tirar Zidane? Também não. Sobrou para Figo.

Ele podia ter escolhido Beckham para ser sacado? Sim. Mas Beckham já atuava como um segundo volante naquele time, fazia uma função tática defensiva que Figo não fazia. Além do mais, o inglês era dos mais profissionais e motivados, dentro da preguiça monstra que tomava conta do Real Madrid. Beckham estava jogando melhor que Figo, simples assim.

Foi um passe de Beckham para Owen fazer o quarto gol o lance que "consagrou" Luxa.

O português, apesar de ser um jogador histórico, já estava mais perto do fim do que do começo. Não tinha mais a explosão e o drible em velocidade que marcaram boa parte de sua respeitável carreira.

Resultado: o Real Madrid ganhou o superclássico por 4 a 2. Fez um início arrasador de jogo, Owen funcionou (fez até gol) e Figo, que havia sido titular em todos os jogos da temporada, nunca mais começou uma partida com a camisa do Real Madrid.

A goleada sobre o Barcelona diminuiu a diferença para seis pontos na tabela, faltando sete jogos. Não deu para o Real evitar o título, mas deu uma animada no campeonato e deu a Luxemburgo a confiança e moral necessárias. Foi o jogo que determinou a continuidade do técnico na temporada seguinte - ele seria demitido no final de 2005, no meio do campeonato.

Figo percebeu que Luxa continuaria e, ao final da 2004/2005, pediu o boné. E, convenhamos, não fez mais muita coisa na carreira.