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Julio Gomes

O Zidane técnico já pode ser comparado ao Zidane jogador

Zidane ergue a taça do Campeonato Espanhol, vencido pelo Real Madrid pela 34ª vez na temporada 2019-20 - Diego Souto/Quality Sport Images/Getty Images
Zidane ergue a taça do Campeonato Espanhol, vencido pelo Real Madrid pela 34ª vez na temporada 2019-20 Imagem: Diego Souto/Quality Sport Images/Getty Images

20/07/2020 04h00

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Qual Zinedine Zidane foi melhor? O jogador ou o treinador? Por incrível que pareça, já é bastante justo o debate. Um debate que eu nunca achei que fosse acontecer.

O Zidane jogador foi enorme, gigante. Ganhou Copa, ganhou Champions, ganhou ligas, desfilou classe pelos campos por onde passou. Já o Zidane treinador parecia, tanto na primeira quanto na segunda chegadas ao Real Madrid, apenas um bombeiro. Uma figura histórica do madridismo sendo chamada a apagar incêndios que estavam a ponto de queimar o presidente, Florentino Pérez.

O Zizou treinador é caladão, assim como o jogador. Não se envolve em muitas polêmicas, não se sente confortável diante dos microfones, não é muito chegado na mídia ou na fama. Um cara introvertido pode ser um baita jogador de futebol, há inúmeros casos assim. Agora, para ser técnico... teoricamente, não dá. Ainda mais em vestiários explosivos e lotado de estrelas.

Quietinho, Zidane levou o Real Madrid a três títulos de Champions consecutivos em somente duas temporadas e meia de trabalho. Um feito inédito. Mais do que isso. Um feito surreal.

O Madrid das Champions 16-17-18 era um timaço no papel, mas Zizou não tinha montado aquele elenco e nem feito grandes alterações táticas. Pelo contrário, mostrava debilidades quando mexia mal no time ou tinha dificuldades para ler o que estava acontecendo em campo - ou pelo menos para alterar a dinâmica estabelecida.

Ganhou três Champions seguidas.

E ainda assim falava-se em Cristiano Ronaldo, em arbitragens, em pênaltis, em camisa pesada, em DNA vencedor, em Karius... nada de Zidane. No meio dos europeus, ele ganha La Liga. O Real havia sido campeão só de uma das oito temporadas anteriores. Mérito do técnico? Quase nenhum. Fala-se das falhas do Barcelona, disso, daquilo, e pouco de Zidane.

Ele sai de um barco que parecia afundar. Mas não vai a nenhum lugar, não aceita outros desafios. Teria sido o Zidane treinador uma aberração? Ele volta. Pega um clube em frangalhos. Time enfraquecido, sem CR7, alguns envelhecendo (tipo Modric), outros desencanando (tipo Bale). Agora sim eu quero ver!

E vimos. Em pouco tempo, Zidane consegue resgatar a autoestima do time, não titubeia na hora de colocar e tirar os jovens para jogar (Vinícius, Rodrygo), não desanima quando enfrenta derrotas delicadas na Champions e na Liga doméstica, ignora os inícios de crise. E leva o clube ao título de novo.

Nesta temporada, mostra que a evolução é fantástica em relação ao período anterior. Varia tática, varia escalações, monta um time com força mental e incrível eficiência na defesa.

Qual o estilo dos times de Zidane? Nenhum. Não é um treinador que enxerga o futebol de uma maneira específica e insiste em uma maneira X de jogar. Seu auxiliar, David Bettoni, resumiu assim ao jornal "Marca": "É simples. Um time que respeita o equilíbrio ataque-defesa. Temos sobretudo capacidade de adaptação. Em alguns jogos, sabemos que sabemos que será necessário sermos fortes defensivamente. Em outros, é outra coisa."

"É extraordinária a relação dele com os jogadores. Não é um método, é uma conexão natural com o vestiário. Ele respeita e, assim, é respeitado".

Essa me parece ser a grande chave para o sucesso de Zizou no Madrid. Em um clube com menos jogadores bons, em que a parte tática importa mais e a gestão de egos, menos, ele daria certo? Só o tempo nos dirá, se é que teremos a chance de descobrir. "Temos de admitir que Zidane é o melhor treinador possível para qualquer hora do Real Madrid", admitiu Jorge Valdano, o argentino que é ex-diretor do clube e uma voz importante na mídia espanhola.

"Ele nos mostra que é possível chegar longe com calma. Ele dá as instruções de forma clara, mas não como um professor, de um pedestal", conta Kross. Traz serenidade ao vestiário, não estresse. "Quando ele fala, todos ouvem", resume Varane.

Como jogador, Zidane ganhou uma Champions, aquela do gol antológica na final contra o Bayer Leverkusen. Como técnico, ganhou três.

Como jogador, Zidane ganhou um Campeonato Espanhol. Como técnico, já ganhou dois.

Na lista de melhores e mais bem pagos treinadores do mundo, ainda aparecem Guardiola, Klopp, Simeone e muitos outros acima dele. Mas na lista de maiores campeões... ele já está no topo. E faz tempo.

"São os jogadores que lutam. Sim, tenho meu papel, mas são eles os que acreditam", disse Zidane após a conquista do título espanhol. Um perfeito resumo do estilo tranquilo e que não busca protagonismo.

Eu não sei se Zizou seguirá carreira quando deixar de novo o Real Madrid. Não sei se será aquele típico técnico de um clube só. Mas e daí se for? O que importa? O clube não é qualquer clube. É o maior dos clubes. O mais desafiador do mundo, possivelmente. Zidane domina os atributos necessários a um treinador do mesmo jeito que dominava a bola no meio de campo: com classe e naturalidade.

Mito no campo, mito no banco. O cara é bom demais.