Topo

Julio Gomes

Torcida mais festeira da Espanha está de volta à primeira divisão

Torcedores do Cadiz aos arredores do estádio Ramon de Carranza para confronto contra CF Fuenlabrada - DeFodi Images/Getty Images
Torcedores do Cadiz aos arredores do estádio Ramon de Carranza para confronto contra CF Fuenlabrada Imagem: DeFodi Images/Getty Images

13/07/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

"Álcool, álcool, álcool, álcool, álcool... viemos aqui... embebedar-nos... o resultado nos dá igual..."

A primeira vez que prestei atenção à musiquinha foi em janeiro de 2006. Eu estava no Santiago Bernabéu para cobrir o jogo que abria o returno do Campeonato Espanhol, entre Real Madrid e Cádiz.

Como sempre fazia, cheguei cedo, mas não tão cedo, ao estádio. Já no metrô, me parecia haver camisetas amarelas demais. No estádio do Real Madrid, ainda que haja um setor específico para a torcida adversária, sempre há muitos "penetras" que conseguem ingressos comprando de forma avulsa com os próprios sócios do Real. À exceção dos clássicos contra Barça e Atlético, sempre há torcedores do outro time aqui e ali, espalhados e de camiseta (e sem qualquer problema, como deveria ser nos lugares civilizados).

Mas, naquele dia, havia algo estranho. Em volta do Bernabéu, o clima era todo cadista. E a música me chamou a atenção, é apaixonante demais para mim e para meu jeito de encarar o futebol. "Viemos aqui só encher a cara, o resultado pouco importa". Oras, o que mais deveria ser o futebol, senão uma diversão pura e menos estressante?

Quando o Cádiz fez o 1 a 0, eu juro que vi uns bons pedaços do estádio, de amarelo, comemorar. A reportagem da época falava em 4 mil cadistas. Eu chuto uns 10 mil. Era realmente muita gente no Bernabéu.

Até porque o Real não estava tão bem no campeonato, o Barcelona (de Ronaldinho) já disparava na ponta. Então foi fácil encontrar ingressos no mercado paralelo para aquele jogo.

O Real Madrid venceria por 3 a 1, de virada. Um gol de falta de Roberto Carlos, outro de Beckham e um golaço de Robinho para fechar. Aliás, Robinho estreara com a camisa do Real justamente no jogo do turno, em Cádiz, no estádio Ramón de Carranza. Também estive naquele jogo a trabalho.

A partida do turno, em agosto de 2005, marcava a volta do Cádiz à primeira divisão após 13 temporadas - o clube frequentou a elite nos anos 80 e início dos 90, apenas. Mas claro que, para mim e para o que eu fazia, o olhar estava todo em Robinho, Luxemburgo, enfim, a brasileirada do Real. Foi só em Madri, no returno, que fui notar que bacana era a torcida do Cádiz.

E, a partir dali, passei a acompanhar o clube mais de perto.

É, de longe, a torcida mais carismática do futebol local. Sempre recebidos de braços abertos, por qualquer estádio onde passem - afinal, para eles o resultado pouco importa. O povo andaluz, do sul da Espanha, já é conhecido como o mais simpático e festeiro do país, e os de Cádiz ainda mais.

Naquela temporada 05/06, o Cádiz bateu e voltou. Passou só um ano na primeira divisão, caiu para a segunda, ficou sete temporadas na terceira. Mas ontem, mesmo sem entrar em campo, com uma combinação de resultados favorável, o Cádiz subiu. Ainda faltam duas rodadas para acabar o campeonato, mas o acesso está garantido e o título está próximo.

Logicamente, a pandemia transferiu das arquibancadas para as ruas a inevitável catarse. As imagens do vídeo abaixo são do sábado, quando o Cádiz já poderia ter carimbado o passaporte de volta à elite, mas acabou perdendo para o Fuenlabrada e teve de esperar os jogos de domingo para comemorar.

O "submarino amarelo" começou a temporada ganhando 10 de 12 jogos e disparando na frente. A campanha entrou em certa instabilidade, mas a liderança foi mantida. No pós-pandemia, bateu a "paura", o medo de ser feliz. O Cádiz ganhou só um dos primeiros seis jogos, a tabela embolou e o sonho parecia estar indo por água abaixo. Aí vieram duas vitórias na semana passada para tranquilizar tudo e fazer do acesso apenas uma questão de "quando", não mais de "se". Ontem, a cidadezinha de pouco mais de 100 mil habitantes explodiu em alegria.

Não se sabe ainda se a próxima temporada na Espanha terá permissão de público nos jogos, mas é provável que sim. Seria uma pena que o Cádiz, em seu retorno após 14 anos, ficasse separado da torcida. Clube e torcida são uma coisa só. Sem ela, não tem graça.

Depois de tanto sofrimento neste ano para dezenas de milhares de famílias espanholas, um cenário que relega o futebol a algo secundário, o país já se prepara para a animação, as piadas, brincadeiras e bebedeiras que marcarão o próximo campeonato.

Afinal, o Cádiz está de volta!