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Julio Gomes

Há 18 anos, o corte mais besta permitia a Felipão ajustar a rota do penta

01/06/2020 04h00

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Era para ser a posição "imexível" do time, a do capitão. Acabou virando a posição em que mais se mexeu - e havia a necessidade disso. O corte de Emerson, literalmente na véspera da estreia da seleção, acabou se transformando em uma benção para Felipão. A seleção ganharia o penta em 2002 se aquela lesão não tivesse ocorrido? Nunca saberemos. Mas os caminhos, sem dúvida, teriam sido trilhados de outra forma.

Emerson era o capitão da seleção na Copa, o homem de confiança de Scolari, jogador promovido pelo próprio ainda quando ambos surgiam no Grêmio. O corte não poderia ser mais besta. Treino de reconhecimento de gramado antes do jogo contra a Turquia, rachão, Emerson vai brincar no gol, cai ao fazer uma defesa e luxa o ombro.

O corte foi relâmpago, para que a CBF pudesse inscrever outro jogador (Ricardinho) a tempo. Na época, quem estava na Coreia se surpreendeu pela rapidez com que a seleção se desfez de seu capitão. De fato, a impressão tinha sentido. Anos depois, Emerson faria um desabafo sobre o corte e a ruptura com o ex-comandante.

Sem o volante, Felipão ficou com um buraco no meio de campo para ser preenchido. Inicialmente, quem jogou foi Juninho Paulista, o que deixou o time mais ofensivo. Depois de o bicho pegar nas oitavas, contra a Bélgica, o técnico elevou à titularidade o jovem Kleberson.

Emerson teve uma carreira muito melhor do que a de Kleberson, não há comparação. Mas talvez Kleberson fosse o jogador dinâmico que Felipão precisava para o mata-mata, um "box to box", que trouxe equilíbrio ao time, bom passe e, claro, foi um dos melhores em campo na final, contra a Alemanha.

Com três zagueiros e Gilberto Silva à frente deles, a aposta de Scolari era no avanço dos laterais (Cafu e Roberto Carlos) e, claro, liberdade para o trio de Rs à frente: Rivaldo, Ronaldinho e Ronaldo. Nos amistosos antes da Copa, Emerson havia sido o primeiro volante, com Gilberto Silva entrando no decorrer das partidas. Será que Emerson teria sido tão eficiente jogando como um "5"?

De qualquer maneira, a tendência era que, com Emerson, jogassem os dois volantes na formação titular.

Quando houve a lesão, que cumpre 18 anos, Scolari ganhou caminho livre para mexer no lugar que mais precisava mexer - e, de fato, assim foi na caminhada do penta. Mais do que isso: ganhou a chance de corrigir um erro estrutural da convocação. A seleção simplesmente não tinha um meia armador clássico.

Como não quis apostar em Alex e acabou punindo Djalminha pela indisciplina na Espanha, Felipão montou uma seleção cheia de volantes e velocistas, mas sem um pensador no meio de campo. Sim, Kaká estava lá, mas era ainda um menino de 20 anos, inexperiente. Vampeta poderia exercer o papel, mas nunca teve a confiança necessária do chefe. O corte de Emerson permitiu que chegasse Ricardinho, que brilhava no Corinthians e havia acabado de conquistar a Copa do Brasil.

Foi uma surpresa, já que o meia nunca havia sido chamado por Felipão e nem atuado com o treinador. O entorno de Scolari acreditava em uma convocação de César Sampaio, mas o técnico percebeu a tempo que precisava de outro tipo de jogador.

Ricardinho desembarca na Coreia logo antes da segunda rodada e já logo entrou no lugar de Juninho nas duas partidas que fecharam a fase de grupos - o que mostra como a seleção sentia falta de um jogador de cadência e que parasse a bola no meio. A presença de Juninho deixou a formação mais ofensiva, o que deu confiança à seleção após as goleadas sobre China e Costa Rica. Depois, claro, foi a vez de Kleberson ganhar espaço e se agarrar à posição.

Sem o corte, talvez o Brasil tivesse vencido a Copa, apenas de um jeito diferente. Com o corte, a história foi a que foi.