Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Notas de falecimento
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Faleceu na madrugada da última sexta-feira, nesta capital, o Sr. Humor. Humor era divertido, engraçadíssimo, espirituoso e, embora isso pareça muito fora de moda, respeitoso. E corajoso, também. Humor enfrentou a ditadura militar. Com humor. Muitas vezes, a ditadura não entendeu o humor de Humor, e sem saber o que fazer com ele, nada fez. Humor, então, riu deles.
Faleceu também na madrugada da última sexta-feira, nesta capital, o Sr. Comediante. Comediante levou milhões de pessoas às gargalhadas durante mais de seis décadas fazendo comédia. No cinema, no teatro, na TV. Comediante criou personagens às centenas. Felizmente, nenhum deles morreu com o passamento do Sr. Comediante.
Faleceu igualmente na madrugada da última sexta-feira, nesta capital, o Sr. Entrevistador. Entrevistador entrevistou mais de vinte mil pessoas. Delas extraiu verdades e mentiras. Lágrimas e sorrisos. Memórias e esperanças. Histórias banais e extraordinárias. Sinceridade e cinismo. Aflição e alívio. Entrevistador entrevistou quem queria e quem não queria. Conhecidos e anônimos. Bandidos, ladrões, políticos, reis, rainhas, príncipes, princesas, atores, atrizes, presidentes, governadores, prefeitos, garis, astronautas, sambistas, vedetes, atletas, músicos, cantores, jornalistas, bombeiros, policiais, operários, empresários, homens, mulheres, crianças, gays, trans, velhos, novos, pretos, brancos, amarelos, indígenas, alienígenas. Entrevistador deixou que todos nos dissessem alguma coisa. Quando não tinham o que dizer, ou não conseguiam, ele mesmo falava. Entrevistador silenciou quando sua voz era mais necessária.
Faleceram da mesma forma na madrugada da última sexta-feira, nesta capital, os Srs. Ator, Diretor, Dramaturgo, Escritor, Jornalista, Cronista, Apresentador, Músico, Radialista, Comentarista Esportivo, Analista Político e Artista Plástico.
De acordo com as autoridades, viviam todos no mesmo endereço e faleceram no mesmo local e horário, enquanto a cidade dormia silenciosa.
Não deu tempo de ninguém mandar um beijo para eles.
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