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Flavio Gomes

OPINIÃO

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'Hoje, Senna seria punido', diz Mansell sobre histórico GP de Mônaco de 92

Paul-Henri Cahier/Getty Images
Imagem: Paul-Henri Cahier/Getty Images

Colunista do UOL

02/05/2022 04h00

Esta é parte da versão online da edição deste domingo (1/5) da newsletter de Flavio Gomes. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

Faltavam oito voltas para o final da corrida e Nigel Mansell desfilava feliz e contente com quase 30 segundos de vantagem para o segundo colocado, Ayrton Senna. Seria sua primeira vitória em Mônaco, a sexta consecutiva nas seis primeiras etapas do Mundial de 1992. O recorde anterior já tinha caído. Senna, um ano antes, ganhara as quatro primeiras. Mas naquela temporada as definições de recordes seriam atualizadas, como se diria hoje: Nigel já havia vencido na África do Sul, no México, no Brasil, na Espanha e em Ímola.

A McLaren, campeã nos quatro anos anteriores, já não era mais a mesma. Fazia sua despedida da Honda, cujos motores levaram Senna e Prost a dominarem a F-1 de forma jamais vista até então. Em 1988, a equipe venceu 15 das 16 corridas do ano.

Mas o jogo começou a virar a partir da segunda metade de 1991, quando a Williams finalmente parou de quebrar e seus mirabolantes equipamentos eletrônicos, em especial o sistema de suspensão ativa que mantinha seus carros a uma altura constante do chão, fizeram com que fossem descritos como "de outro planeta" pelo piloto brasileiro.

Senna não tinha chance nenhuma contra o FW14B, nome-código do modelo da Williams para 1992. Sabia que só conseguiria vencer alguma corrida se Mansell e seu companheiro Riccardo Patrese tivessem algum problema que lhe permitisse, de vez em quando, chegar na frente. Aquele GP de Mônaco repetia o roteiro das cinco primeiras provas da temporada.

Mas Mansell percebeu alguma coisa estranha na entrada do túnel na 70ª das 78 voltas do GP do Principado. Ficou lento de repente e foi para os boxes. A McLaren, imediatamente, avisou Ayrton pelo rádio.

"Eu estava passando pela piscina", contou o tricampeão a este repórter e aos outros que estavam em Mônaco naquele domingo, 31 de maio de 1992. "Aí falei: agora é tudo ou nada. Tenho de passar antes que ele saia dos boxes. Se isso acontecer, eu ganho a corrida."

O que se viu daquele momento até a bandeira quadriculada ficou gravado na retina de milhares de pessoas espalhadas pelas arquibancadas e varandas dos prédios ao longo do circuito, e de milhões de telespectadores que acompanhavam a corrida pela TV. Senna apontou na reta dos boxes e viu que Nigel ainda estava lá. "Agora, mesmo que ele saia, eu vou vir tão embalado que não vai ter jeito de me segurar. Ou, então, vai ser uma tremenda de uma porrada."

Mansell trocou os pneus e voltou à pista sete segundos atrás do carro vermelho e branco. Faltando três voltas para o final, a diferença já tinha virado pó. Alucinado, o britânico embutiu na caixa de câmbio de Senna. Em qualquer outro lugar do planeta, passaria por cima do brasileiro.

Mas era Mônaco. Em Mônaco, as coisas são diferentes.

Ayrton tinha menos de 10 km a percorrer para vencer pela primeira vez no ano, a quinta nas ruas da cidade-estado onde morava. Na hora, se lembrou de 1988. Naquele ano, liderava a prova com 40 segundos de vantagem sobre Prost quando bateu sozinho na entrada do túnel a 12 voltas do final. "Aquele acidente mudou minha vida", disse. "Foi essencial para ganhar o título, porque ali aprendi a me concentrar numa corrida."

Mansell não passou. Senna pilotou naquelas três voltas como se não houvesse ninguém atrás dele. Não se atrapalhou em nenhuma freada, não fritou um pneu, não errou uma marcha, e nos raríssimos pontos em que uma ultrapassagem seria possível posicionou seu carro no meio da pista levando o inglês à loucura. Recebeu a bandeirada 0s215 à frente da Williams do "Leão", como Nigel era chamado.

GP de Mônaco de 1992: Ayrton Senna e Nigel Mansell disputam a vitória - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Trinta anos depois, Mansell deu uma bela entrevista ao jornalista Tom Clarkson para o programa "Beyond the grid", o podcast oficial da F-1. A íntegra da conversa pode ser ouvida aqui.

As lembranças do histórico GP de Mônaco de 1992 começam aos 16min23 da gravação. E Nigel faz uma afirmação que leva a uma reflexão interessante, especialmente para aqueles que passaram a acompanhar a F-1 mais recentemente, os "filhotes da Netflix" — como são chamados pelos fãs mais veteranos da categoria aqueles que começaram a se interessar pelas corridas depois de assistir às temporadas de "Drive to survive".

Pelas regras de hoje, Ayrton não poderia me segurar como fez. Cada vez que eu tentava [passar], ele me bloqueava. Ele não poderia fazer isso hoje."

Mansell diz que se orgulha muito de não ter enchido a traseira de Senna naquelas derradeiras e encantadas três voltas pelas ruas de Monte Carlo.

Sou um esportista. Mostrei que dá para andar muito perto de outro carro em Mônaco sem bater. Me sinto honrado por não ter feito isso."

Na entrevista coletiva depois da corrida, Ayrton reconheceu que a vitória só veio porque o adversário teve de parar para trocar pneus. "A gente tem de ser realista. Em condições normais, ele ganharia essa corrida. Depois que ele saiu dos boxes, veio que nem um alucinado pra cima de mim. O carro dele é muito mais rápido. Até de marcha à ré ele me passaria. Só que eu lutei muito. Nunca corro para chegar em segundo, e quando tive aquela chance nas mãos não ia largar de jeito nenhum."

Nigel, ao seu lado, disse que fez de tudo para passar, mas que o carro do brasileiro de repente ficou "largo demais". No podcast, disse que Senna fez alguns "brake-tests" naquelas voltas. "Ayrton era muito bom nesse tipo de truque", falou, sem rancor nenhum na voz.

Lembro que, naquele domingo, ele chegou à sala de imprensa esgotado, suando, o rosto muito vermelho, com uma pequena toalha nas mãos e um boné mal-ajambrado sobre a cabeça. Depois de receber seu troféu, teve de se sentar no asfalto para recuperar o fôlego.

Senna e Mansell no pódio do GP de Mônaco de 1992 - Pascal J Le Segretain/Sygma via Getty Images - Pascal J Le Segretain/Sygma via Getty Images
Imagem: Pascal J Le Segretain/Sygma via Getty Images

Mansell não era mais nenhum garoto. Três vezes vice-campeão (em 1986, 1987 e 1991), perto de completar 39 anos, andava desacreditado em seu país e começara aquele campeonato escondendo de todos na equipe as dores quase insuportáveis que sentia no pé esquerdo, que havia fraturado num acidente na última corrida da temporada anterior, em Adelaide.

"O médico me disse que eu precisaria de três ou quatro meses para poder pilotar de novo. Eu não podia esperar. Perderia todos os testes da pré-temporada, talvez até alguma corrida. Sabia que era minha última chance, porque meu contrato terminava no final daquele ano", contou no podcast da F-1.

Perder em Mônaco foi o menor de seus dramas em 1992. Mansell seria campeão já na Hungria, cinco provas antes do final do campeonato, e fecharia a temporada com nove vitórias e 14 poles em 16 corridas. Na corrida do título, terminou em segundo mais de 40 segundos atrás de Senna, o vencedor. No dia seguinte, recebeu um telefonema de Frank Williams para falar sobre seu contrato.

"Ele me disse que se eu quisesse continuar, meu salário seria a metade do que eu recebia. Não era uma boa proposta, era?", lembrou na entrevista. "Vinte e quatro horas depois de ser campeão eu não tinha carro para o ano seguinte."

Magoado, quase humilhado, Mansell deixou a Williams e a Fórmula 1. "Foi um anticlímax, porque minha experiência como campeão foi muito curta. Não vivi isso. Ser campeão muda muita coisa na sua vida, mas eu não tive tempo de experimentar essa condição porque não pude defender meu título como eu gostaria. Tive, isso sim, de mudar de vida na América", contou. "Paul Newman me disse: quando uma porta se fecha, outra se abre. Ele e Carl Haas me abriram as portas da Indy, foi uma aventura incrível e eu ganhei outro campeonato."

Com mais um título debaixo do braço, Mansell voltaria à F-1 em 1994 pela mesma Williams para disputar quatro corridas.

No carro de Senna. Foi muito duro."

Ganhou uma, na Austrália. É, até hoje, o piloto que mais venceu pela equipe de Grove: 28 vezes. Em 1995, assinou com a McLaren. Não cabia direito no cockpit de um carro que parecia ter sido construído para ser pilotado por um jóquei. Conseguiu largar em apenas duas provas. Então, decidiu parar.

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